Ano VII

Brasília – 5º Dia

segunda-feira set 24, 2012

5º Dia – Uma noite de violência (A Ditadura da Especulação, Olho Nu, Noites de Reis)

Brasília viveu ontem uma noite de violência. Noite de três filmes que articulam a agressão em registros distintos, mas que, especialmente os dois primeiros, não se intimidam em colocar a plateia como alvo dos socos.

O curta A Ditadura da Especulação é uma porrada que foi temperada pela apresentação/discurso inflamado dos realizadores e de quem é vítima no processo de expulsão e higienização abordado no filme. Discursos longos costumam esconder as fragilidades de um filme.

Este, apesar de entender o desespero em sensibilizar, não precisava de tal introdução. A Ditadura da Especulação dá conta de se afirmar sozinho. Não esconde sua intenção de urgência, de ser ferramenta para luta, antes mesmo de cinema. Ainda assim consegue dar conta de se estruturar como filme ao recorrer à montagem rap ou pelo maravilhoso plano do policial Charles Bronson. É louvável a frontalidade do curta, sua habilidade em ser direto e assumir posições, o que lembra A Casa da Vó Neyde – justamente pela coragem é que o curta de Caio Cavechini tem sido tão premiado, relevando-se suas imperfeições.

Produção do Centro de Mídia Independente-DF, A Ditadura da Especulação vai e critica sem medo. Espero que este filme circule, não só pelas salas de cinema, mas por outras plataformas.

A violência continuou norteando a sessão, mas por outro viés. Passaram-se mais de três décadas desde que Ney Matogrosso começou a rebolar e a se pintar nas suas apresentações. Mesmo assim, algumas das imagens que o documentário Olho Nu reapresenta ainda são de uma violência assustadora – e bem-vinda, é preciso dizer.

Em vez de ignorar a presença da câmera, Ney a encara. Em vez de se esconder, ele se mostra. Em vez de apanhar, ele bate: esta é a chave da performance dele no palco, com ou sem Secos & Molhados. O resto é discussão musical.

O roteiro e a direção são de Joel Pizzini, apoiado numa pesquisa ampla de Rafael Saar (que dirigiu Ney no curta de ficção Depois de Tudo) e numa montagem conjunta. Com Mr. Sganzerla – Signo do Caos, Pizzini se infiltrou com mais propriedade nos signos do personagem do filme. Em Olho Nu, nem tanto.

Das chaves de leitura da agressão/performance/timidez, assim como da natureza/camuflagem, o filme dá conta. Já da musical é insuficiente. Pois como intérprete Ney é muito diverso – os signos de sua obra não são estanques, aguardando apenas uma apropriação. E o filme decide constantemente cortar o número musical (e num documentário musical ação é música) para propor uma experiência tátil que poucas vezes funciona, que fica banalizada. Quando lá na terceira, quarta vez que a steadicam procura Ney dentro da casa de infância eu já tinha perdido a paciência.

Pois Olho Nu não é nem Loki – Arnaldo Batista, um registro quadrado de um músico, sua história, sua obra e seus seguidores, nem uma experiência que acessa um mundo pelo sensível. Está num incômodo meio do caminho. O que realmente resta é a força de Ney, que não é pouca, mas também não é potencializada pelo filme, tal como Mr. Sganzerla – Signo do Caos faz.

A violência como eixo dramatúrgico teve outro deslocamento no último filme da noite, Noites de Reis. Ela é subtexto, o trauma da perda de um filho e de como a mãe e o restante da família recolhe os cacos e segue a vida. O acesso deste mundo é pela delicadeza – a montagem, talvez o elemento mais efetivo no filme, é fundamental para o tom.

Observado à luz da pretensão dos outros longas de ficção da mostra competitiva em Brasília, o filme de Vinícius Reis parece desinteressante. Porque é mais do mesmo, feito com correção (bom trabalho de atores, respiros e pausas, sensibilidade musical). Não gosto do filme, acho que ele não consegue dar um salto maior para instigar, provocar, sair do meu lugar.

Mas Noites de Reis é um filme que, se o Brasil não tivesse um esquema de exibição e distribuição tão esquizofrênico, chegaria ao seu público – porque ele o tem, e não sou eu. Resta que ele saia do anonimato e chegue aonde foi feito para chegar.

Heitor Augusto

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