Ano VII

Intocáveis

segunda-feira set 10, 2012

Intocáveis (Intouchables, 2011) de Olivier Nakache e Eric Toledano

Este longa possibilita uma conclusão: o cinema francês continua descendo a ladeira. Não por errar em tentativas arriscadas, algo que raramente acontece, mas por seguir cada vez mais e preguiçosamente fórmulas do pior cinema comercial americano.

Intocáveis defende que piedade pode ser um horror para um tetraplégico, mas também que um aristocrata intelectual precisa ouvir funk setentista para voltar a viver, e que palavras não valem nada quando não se tem ação. É um Pigmalião às avessas o que propõem esses dois diretores de incrível inaptidão visual.

Driss, o senegalês de periferia que vai trabalhar como ajudante de Philippe, um tetraplégico milionário (mais que ajudante, de fato, é um amigo comprado), se escandaliza com a correspondência entre Philippe e uma bela moça de Dunquerque. Faz com que ele fale com ela ao telefone, obrigando-o a avançar no relacionamento até então platônico. Não há mais tempo para romantismo. Só interessa a velocidade, a ação, a diversão e o descompromisso social. Driss se comporta como um selvagem durante um recital, ou numa ópera. Recebe o sorriso cúmplice de Philippe, que sente-se vingado pela pompa elitista de seus pares. Não há nada mais condescendente com a "michelteloização" do mundo do que esse momento deplorável de má consciência aristocrática.

A fórmula seguida em Intocáveis também irrita. O cinema comercial francês vive, como já dito, de imitar o pior cinema comercial hollywoodiano. Por duas vezes, Driss faz coisas contra sua vontade, algo que a montagem explora comicamente. Quando sabe que precisa colocar meias de compressão em Philippe diz, meio que sem pensar na estupidez da fala, que isso não fará de jeito nenhum (como se o simples ato de colocar as meias fosse pior do que dar banho ou massagear todo o corpo do milionário). O plano seguinte mostra Driss, contrariado, colocando as meias. O mesmo acontece quando ele é levado para voar de ultraleve. Diz que não, mas o plano seguinte o desmente. Os diretores passaram semanas vendo comédias românticas ruins e resolveram seguir a onda, inserindo um tipo de gag que é ruim mesmo em filmes bem melhores. Da mesma forma, todo mundo é compreensivo no filme. O "todos têm suas razões" de Renoir foi substituído por uma espécie de "todos entendem todos", o que é bem diferente, um oba-oba da relativização.

É compreensível que se busque um registro próximo ao da fábula num momento de crise como o que a Europa atravessa, mas o registro é o da mais canhestra autoajuda.

Sérgio Alpendre

 

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