Ano VII

Os Mercenários 2

terça-feira set 4, 2012

Os Mercenários 2 (The Expendables 2, 2012), de Simon West

          – I'll be back.

          – You've been back too many times!

Os Mercenários 2 é um playground cinéfilo, um parque de diversões lúdico no qual os iniciados exercitam o gozo de desfrutar do diálogo tácito com filme e com o desconhecido na poltrona ao lado, um desconhecido familiar, já que ele compartilha – imagina-se – do mesmo passado de cinefilia.

Tanto o primeiro quanto esta sequência ganharam vocativos – muitos demeritórios – como “filme de menino”, “filme-testosterona”, “filme nostálgico”, “filme de ação violento”. Prefiro apenas chamá-lo de filme, sem mais, mesmo que haja um pouco de verdade em cada um desses rótulos. Nunca é demais lembrar, porém, que quem se prende ao rótulo usa subterfúgios para um contato com o filme.

Existe todo o subtexto de referências ao passado cinematográfico dos atores de Os Mercenários 2, que obviamente remete aos anos 70 (no caso de Stallone) e 80 (Schwarzenegger, Van Damme, Dolph Lundgren). Ter esse passado comum como espectador é uma parte da chave para acessar especialmente o humor do filme.

Mas é pouco focar a leitura do filme aí. A entrada de Chuck Norris nesta sequência oferece um outro componente para leitura. Enquanto os outros sexagenários lutam para dar conta do mesmo tipo de personagens que lhes era reservado no auge, Norris se apresenta como uma imagem fantasiosa que se formou em torno dele. O Norris do filme não é real, mas mito, lenda. E o que ele interpreta em Os Mercenários 2 não é sequer um personagem, mas uma imagem que se tem em torno dele. Uma imagem obviamente construída pela cultura pop. Uma miragem, uma assumida mentira.

Chuck Norris é o único que evidencia o disfarce. Todos os outros veteranos escondem seus corpos por baixo do disfarce. Van Damme, Schwarzenegger, Stallone seguram seus corpos velhos e fora de moda com um disfarce porque são atores (bons ou ruins) tentando controlar algo que já lhes escapa por causa do tempo. O corpo já não responde da mesma maneira, nem o próprio cinema – como imaginar um filme que servisse de veículo para alguns desses sexagenários senão Os Mercenários, que é uma piada séria ao abusar, especialmente no primeiro, dos close-up que mostram fraquezas, em vez de realçar fortalezas?

Ao mesmo tempo que Os Mercenários 2 é engraçado, ele tem uma dimensão triste. Stallone, Schwarzenegger, Van Damme, Lundgren são atores a um passo do fim, a poucos centímetros do abismo. Apontar isso não necessariamente significa sentir saudades do cinema que eles representaram no auge ou fazer vistas grossas ao jogo de poder no qual o cinema se inseria. É simplesmente dialogar com algo básico da dimensão humana: o fim.

O divertido é também melancólico. Numa sequência chanchadeira, Scharzenegger diz “I'll be back”, sua marca registrada em O Exterminador do Futuro. Porém, em vez de destruir a porta do escritório com um possante como fez 25 anos atrás, ele derruba a porta de um carro minúsculo e nele fica exprimido. Um comentário à primeira vista cômico (a inadequação do grandão em algo menor), mas definitivamente cruel: a metáfora de que o aparato do cinema já não está mais a seus pés.

Rótulos podem dar conta de um pedaço do filme, mas quando tomados como prisão causam o pior num espectador de cinema: a cegueira.

Há também um significativo diálogo de Os Mercenários 2 com os personagens dos filmes de Sam Peckinpah. Não existe um meio termo no tratamento da violência ou sequer um uso plástico do sangue. É um filme mais cru, direto, que trata a violência como ontologia do mundo daqueles personagens – tentam escapar (o romance idealizado de Stallone por Giselle Itié no primeiro filme, o soldado jovem no segundo), mas a violência os puxa de volta. Eles tentam entrar em contato no que resta de dignidade interior, mas o único meio de acessá-la é com a porrada, o tiro, as explosões. Definitivamente há algo de trágico na aparente piada que é Os Mercenários 2.

Há a conexão com Peckinpah, mas óbvio que Simon West não filma como ele. O primeiro, vindo de um outro momento do cinema, tem uma noção mais apurada do tempo num filme. O diálogo se dá inicialmente nas citações: o soldado novato, que se converte na motivação dramática dos personagens, chama-se Billy The Kid, óbvia referência a Pat Garrett e Billy the Kid – e tal referência já anuncia o destino do personagem; há a citação da cabeça cortada empunhada por um dos mercenários num saco de pano, que conversa com Traga-me a Cabeça de Alfredo Garcia.

O mais interessante ponto de contato com Peckinpah está na própria genese de ambos os filmes, cujo título original, The Expendables, significa algo como “Os Descartáveis”. Num mundo em transformação, as estrelas de outrora vivem um ocaso e só conseguem estar inseridos como versão paródica de si mesmo. O lugar cativo não mais existe. Pois se em Meu Ódio Será Sua Vingança o Velho Oeste era uma paisagem do passado em que os valores de Pake Bishop e Deke Thorton eram demodé, em Os Mercenários 2 esta paisagem que não mais os quer se chama Hollywood.

A diferença crucial que torna o trabalho de Peckinpah uma obra cuja distinção permanecerá no tempo é o rompimento com os cânones (o final trágico serve de ilustração). Já o projeto de Stallone, que desta vez caiu nas mãos de Simon West, é um filme de acomodação – o destino é o final feliz e a morte de personagens secundários serve como purificação moral dos que permanecem vivos.

Heitor Augusto

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