Ano VII

Na Sua Companhia

quinta-feira ago 30, 2012

Na Sua Companhia, de Marcelo Caetano

Da separação à aproximação dos corpos. Na Sua Companhia é um filme em que o encontro é mediado – por algo físico ou virtual –, jogando, intencionalmente ou não, com as ideias de proximidade e distância. Inicialmente pela própria natureza do encontro de dois homens na noite num dark room, pois a parede media o contato dos corpos e os “decupa” – toca-se parte de corpos, não sua integralidade.

Depois pela câmera, esta sim a responsável por tornar Na Sua Companhia um filme interessante, atuando mais pela via racional, um pouco diferente do curta-metragem anterior de Marcelo Caetano, Bailão, que comunica muito mais ao coração.

Um homem branco e coroa filma um outro – negro, jovem, musculoso. Este corpo nu é visto apenas do pescoço para baixo, um corpo sem cara, sem dono, apenas um corpo. Corta. O mesmo coroa vai a um bar gay e no dark room encontra outro homem. Partes de corpos são tocadas porque uma parede os separa. Na saída, ambos se reconhecem: um acariciou o outro pelos vãos da parede.

Há dois poderes incidindo sobre os enquadramentos de Na Sua Companhia – e é importante falar sobre isso pois esta chave ajuda demais a compor o desenrolar do breve enredo. Há a câmera claramente de cinema, que explicita a existência de um diretor por trás – esta é a que abre o filme com um trabalho maravilhoso do diálogo do porquê mantém-se deliberadamente muita coisa fora de quadro.

A outra é a câmera empunhada pelos personagens, pois é a partir das decisões desta que se estabelece a ponte entre eu e o outro. A aproximação definitiva de dois homens – não só de dois corpos – vem da troca de perspectiva. Num primeiro momento, o poder de segurar a câmera e construir o filme vinha do personagem do coroa. Na segunda, existe a transferência para aquele que chegou depois, o namorado/ficante.

No momento em que o outro empunha a câmera e assume a autoria daquele diário íntimo, a história desses dois homens ganha outros ares. Aí se tem não mais um diário sexual fetichista (que é como o filme começa), mas um registro íntimo afetivo – basta atentar para como o corpo é enquadrado. A transferência do poder de segurar a câmera, passada sutilmente de um personagem para o outro, é uma indicação de que o encontro se realizou.

O clímax do filme e o ápice da mudança de eixo é toda a sequência na casa do namorado, de uma intimidade que chega até a assustar o personagem – efeito ressaltado pela performance do cover de Maria Bethânia.

Eu sei que este texto está parecendo um papo técnico-formalista chato. Culpa de quem escreve, não do filme, porque Na Sua Companhia é mais flexível do que eu estou deixando transparecer. Culpa também da tentativa em propor uma leitura do dispositivo para, então, explicitar a força do filme.

Então, faça assim: vá e veja o filme.

Heitor Augusto

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