Ano VII

O Duplo, de Juliana Rojas

sexta-feira ago 24, 2012

O Duplo, de Juliana Rojas

Num momento de banalização da imagem é prazeroso observar uma obra com coerência, ainda mais quando caminha em evolução. Nos curtas de Juliana Rojas, seja nas incursões solo ou nas parcerias com Marco Dutra, há uma volta constante da cineasta a um universo cinematográfico que lhe é bastante familiar, o do Horror.

Olhando em retrospectiva desde 2003, quando fez O Lençol Branco com Dutra, não há um curta ruim na filmografia de Rojas. Há produções mais fracas (Vestida) ou menos interessantes (As Sombras). Não há enquadramentos equivocados ou um virtuosismo vazio da câmera que só chama atenção para si. Não há desperdícios ou fetiches.

O que se nota é uma precisão para lidar com a duração no formato curta-metragem, a sensibilidade de deixar que a essência da cena determine a feitura do plano e a inteligência em trabalhar com a sugestão, não a explicação – como na cena de Pra Eu Dormir Tranquilo em que a mãe pergunta para o filho “cadê os passarinhos?”, cuja resposta o espectador intui.

A morte, não raro afetando uma mulher, é o elemento que geralmente desestabiliza o equilíbrio do universo dos personagens – porque a sensação é de que nos filmes de Rojas o mundo está equilibrado até o momento em que o filme começa.

Em O Duplo, a morte não é um fato, mas sim um fato anunciado pela aparição de duas mulheres idênticas (que não são gêmeas) no mesmo espaço físico. Trata-se de Silvia (Sabrina Greve), uma professora novata na escola que, enquanto está em sala de aula, tem o seu “duplo” passeando pelos corredores – esse duplo, segundo o mito de Doppelgänger, é um ser que toma a forma de outro e pressagia má sorte. Apenas um aluno reconhece o duplo.

A chave do encantamento do cinema tanto de Rojas quando de Dutra é a conciliação entre o realismo e o fantástico. Não se abdica do primeiro para acreditar piamente no segundo, pelo contrário: os personagens mantém uma rotina ordinária, comum a todos nós, estão inseridos num contexto familiar e/ou profissional, ao mesmo tempo que elementos “inexplicáveis” os assolam – as folhas que brotam no corpo de Helena Albergaria em Um Ramo ou os estranhos vazamentos do mercadinho em Trabalhar Cansa.

Ou seja, existe uma dimensão do espectador que se identifica com o cotidiano tão comum a muitos e uma outra que questiona, mesmo sem perceber, o que está vendo ali na tela de cinema. E a precisão quase trigonométrica dos enquadramentos emparelhadas com personagens e situações do cotidiano criam uma mistura muito interessante de frieza e calor dentro do mesmo filme.

A operação crença/descrença, frieza/calor, realismo/fantasia tem em O Duplo sua manifestação mais sólida dentre os filmes de Rojas. Há o trabalho casado de Direção de Arte e Fotografia, que não só dão um tom amarronzado à imagem, mas envelhece o filme como um todo, pintando a escola como um universo à parte, um lugar como que parado no tempo – tanto que o interno é frio, enquanto o externo é banhado em sol.

A divisão entre dentro e fora é também ressaltada pela edição de som, que mantém uma vida paralela das coisas e seres fora do quadro. Elemento bem-vindo para um filme que divide o mundo entre o normal – a vida da professora Silvia, sua rotina no colégio – e o que abala as estruturas – o aparecimento de seu duplo, fato descoberto por um aluno.

Na ponta da corda – o corpo –, há um raro acerto de escolha de elenco, seja a presença da produtora Sara Silveira (notória fumante) como professora de educação física, que cria um elemento cômico inesperado no filme. Isso é só uma brincadeira, pois o acerto a sério é colocar Sabrina Greve como a professora assolada pelo duplo. Vê-se uma Sabrina bem diferente de Teresa, um de seus curtas que mais circularam, e com um quê assumidamente assustador.

O maior acerto talvez seja, porém, de Gilda Nomacce, que se recupera daquela bobagem fetichista chamada Jibóia. Presença constante nos filmes de Rojas ou Dutra, Gilda dá conta de um assustador plano, em que puxa freneticamente o elástico de uma pasta. Mais do que assustar, aquele plano reposiciona o filme de fantástico para trágico, pois a partir dali resta a sensação de que a desgraça vai acontecer e nos resta apenas esperar o quando, o onde e o como.

A sensação que O Duplo deixa é esta: de consistência, coerência e humildade para tomar decisões narrativas que contribuem para o filme, não para chamar a atenção da habilidade de quem o fez. A feitura deste curta é determinada por suas necessidades, não para alimentar egos.

Heitor Augusto

 

Sessões de O Duplo no 23º Festival Internacional de Curtas-metragens de São Paulo

Sexta-feira (24/8), às 15h, no Cine Olido

Domingo (26/8), às 18h, no CineSesc

Terça-feira (28/8), às 17h, na Cinemateca Brasileira – Sala BNDES

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