Ano VII

O Exercício do Poder

quinta-feira ago 16, 2012

O Exercício do Poder (L’ Exercice de l’État, 2011), de Pierre Schöller

O Exercício do Poder é um filme incômodo, desagradável de certa forma e desestabilizador, como diria uma amiga após a projeção. Tais sentimentos – tão raros no cinema de hoje, tão afeito e afoito em agradar com histórias fáceis e facilmente digeríveis – centram-se, sobretudo, em uma característica do filme que é a pouca ou dispersa humanidade dos personagens, envoltos ou silenciados pelo exercício de poder do título.

Mesmo quando sacudidos pela tragédia – e nada nos devolve de modo mais intenso à nossa condição humana que a morte trágica – caso do acidente do ônibus repleto de jovens que cai em uma ribanceira ou da morte do motorista no acidente de carro, o que vale ou se sobrepõe à dor humanizadora é a ação ou o discurso ideal para despistar a opinião pública e gerar dividendos políticos. Sempre a construção da imagem, a aparência.

Os poucos momentos de maior empatia do filme com o público, os respiros ou os momentos menos incômodos do filme ocorrem, justamente, quando o filme revela um pouco mais da humanidade dos personagens, ou seja, quando o ministro vai até a casa do motorista e debate com a mulher deste, esta, sim, um ser humano de carne e osso e livre das amarras da estrutura de poder, podendo, portanto, questioná-lo e afrontá-lo; e quando, na cerimônia do sepultamento do motorista, o ministro fala para si e apenas para si o discurso que gostaria de fazer para homenagear aquele ser humano tão comum e silencioso.

Neste discurso, ou anti-discurso, fica ainda mais clara outra questão do filme: a cisão entre o indivíduo e o Estado, Estado representado na figura daqueles que exercem o poder. A exceção a estes indivíduos robotizados, silenciados ou sem voz e os dirigentes e asseclas igualmente programados que se portam quase o tempo todo como seres autômatos, inumanos e indiferentes a qualquer fenômeno que lhe devolva a humanidade, aparece, de forma pontual, na figura já citada da mulher do motorista, na mãe desesperada com a morte da filha no acidente de ônibus, no motorista titular que tira férias para ver seu filho nascer e em algumas situações na qual o ministro enfrenta uma crise, sendo a crise – movimento na sua raiz etimológica – um leve mover-se para fora ou para além da sua condição de sujeito imobilizado pelo exercício de poder e por ter que alimentar essa condição (de s)humana.

E nos raros momentos que a ação não está vinculada à programação do poder, o ministro revela-se um ser humano sem valor algum, pouco especial como a maioria dos burocratas que regem o Estado. Condição que ele assume a mulher, que parece clara à assessora que trabalha a sua imagem e que ele reconhece não só nele, mas nos que o auxiliam. E por ser medíocre, é que o ministro permanece casado ao poder.

Pierre Schöller, neste filme produzido por ninguém menos que os irmãos Dardenne e estrelado pelo ator principal destes, Olivier Gourmet, faz uma radiografia minuciosa do poder. Não conta apenas a história de um homem poderoso, mas, sim, cerca a forma poder, e o cerca como um artista que faz exercícios, desenhos, esboços sobre um determinado tema. O filme mergulha nestas relações desumanizadoras entre o homem e a ambição do poder, e o faz com imensa crueldade e perspicácia, como na violenta cena do acidente com corpos dilacerados e com a câmera também rodando quando o assessor principal do ministro percebe o acidente pela conversa no celular interrompida pela batida ou quando no momento de maior crise, o cineasta mostra o ministro no trono, ou seja, no banheiro, e deixa bem audível o som do cocô caindo, para, no momento seguinte, o telefone tocar e o assessor direto do p residente informar que o ministro não só não será demitido, como mudará de pasta, indo para o mais prestigiado ministério do trabalho.

Por fim, não há como não relacionar O Exercício do Poder à crise de Estado europeu e francês, mas, frise-se, crise do Estado francês de Sarkozy, visto que, muito também em sintonia com o sentimento que o filme registra, o atual primeiro ministro François Hollande, em menos de dois meses, entre outras medidas, suprimiu 100% dos carros oficiais e os leiloou apara economizar dinheiro público, visando rever o papel do Estado francês que, como mostra o filme, agia, como em boa parte do mundo, mais para manter-se e manter poucos, do que para amparar o cidadão.

Cesar Zamberlan

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