13 Assassinos
13 Assassinos (Jusan-nin no Shikaku, 2010), de Takashi Miike
É pouco provável que hoje ainda restem dúvidas quanto a associação dos épicos de samurai ao faroeste: heróis errantes, solitários e de poucas palavras, que mesmo quando na posição de mercenários respeitam um código de honra; a terra enquanto espaço a ser disputado ou área inóspita a ser transposta; a construção do mito, a partir da mistura de referências históricas e folclore; os procedimentos no embate/duelo final – close nos olhos, mãos, a postura, um ritual que prepara personagens e espectadores para o clímax. Além das semelhanças e do diálogo que travaram entre ocidente e oriente, ambos sempre carregaram consigo o estandarte do cinema de gênero por excelência, o que também os confere uma aura de classicismo que, com a popularização do cinema dito moderno, passou a ser vista como obsoleta.
Não é por acaso, portanto, que este filme (um remake do homônimo de 1963) se passe nos meados do século XIX – era em que os samurais, já reduzidos a minoria, eram vistos como personagens históricos, desconectados de seu tempo, sem propósito. Os 13 assassinos não são só esses homens, são o cinema de gênero na perspectiva da produção atual e uma tomada de consciência do diretor em relação a sua própria obra: para alguns um mero esteta da violência e do choque, para outros um gênio incompreendido, o fato é que Takashi Miike é um dos maiores iconoclastas de sua geração, e sua enorme obra (mais de 80 filmes rodados) tem por característica marcante o entortamento de parâmetros do cinema e do cidadão oriental. Ora, para um sujeito que já se lançou a toda sorte de provocações, uma abordagem sóbria, "clássica", foi a manobra mais subversiva que ele poderia arriscar.
A impressão dessa mudança vem logo na primeira sequência, onde um samurai prepara-se para cometer o harakiri. A câmera acompanha cuidadosamente o rito (haverá um recorrente interesse em preparações), porém o close no rosto do personagem no momento da perfuração (sugerido pela expressão facial e pelo som) empurra a violência do ato para fora do quadro – em seu modus operandi "normal", o diretor apresentaria a cena frontalmente, de forma mais gráfica. O sadismo comum não só à maioria de seus personagens como a sua própria câmera é aqui isolado na figura do irmão do shogun, o que auxilia na formação deste execrável vilão que será o alvo final de um grupo de samurais cujo recrutamento toma a primeira metade do filme, que pode ser vista, novamente, como "um ritual que prepara personagens e espectadores para o clímax": uma sequência de combate que dura em torno de 45 minutos e já escreve seu nome entre as grandes do cinema de ação dos últimos anos.
Num momento em que o cinema de gênero transmutou-se em cinema pensado para o público, muito mais concebido e vendido como espetáculo (numa conotação circense), onde óculos 3D e CGI e filmagens em fundo azul parecem ter ascendência em Edison e seu Black Maria ao invés de Lumière, onde a afirmação de Rohmer ("No cinema, a imagem do mundo exterior forma-se automaticamente, sem a intervenção criadora do homem. Todas as artes estão fundadas sobre a presença do homem, só no cinema fruímos da sua ausência") é descaracterizada por filmes onde o espaço é totalmente manipulado por computador, onde a mise-en-scène cai por terra em favor da decupagem televisiva (e como haverá mise-en-scène se não há espaço para se relacionar com ator e câmera?), é notável que uma sequência de grandeza Demilleana, por assim dizer, seja realizada de forma tão precisa, em cenários reais, com interação entre homem e meio. Todo o segmento é impecavelmente coreografado, e Miike sabe (herança do cinema oriental) que a eficácia de uma cena de combate depende majoritariamente do espaço a ser estabelecido (via decupagem e montagem), de não confundir o espectador. Nada das câmeras tremidas e cortes desenfreados dos filmes de ação atuais (onde ficamos desorientados a ponto de parecer que estamos apanhando), temos aqui um exemplo a ser pensado e analisado por Hollywood.
O contraste entre os planos sombrios/noturnos iniciais e o gradativo clareamento da imagem ao longo da trajetória ilustra a transição de homens que encontravam-se no ocaso e, entre a sujeira de barro e sangue do final, estão em sua plenitude. Engana-se porém quem acha que essa entrega a uma missão fatal/impossível é um impulso suicida ou conformismo diante da condição de soldado treinado para morrer (condição essa questionada antes do confronto entre os principais samurais): o momento em que Shinzaemon (o líder do grupo) é incumbido da missão e responde com um brilho no olhar, ou o plano dos treze emparelhados observando a chegada das centenas de soldados inimigos correspondem a antológica cena da caminhada dos pistoleiros de Meu Ódio Será Sua Herança: homens vendo na inevitabilidade da morte a razão para fazerem algo maior. Homens livres.
Leandro Schonfelder
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