Você se Lembra de Dolly Bell?

Você se Lembra de Dolly Bell? (Sjecas li se Dolly Bell, 1981), de Emir Kusturica

A estreia de Kusturica em longa mostra uma paixão adolescente, a do sonhador Dino pela prostituta Dolly Bell. Músico que sonhava em implantar o comunismo nas pessoas pela hipnose, Dino é uma dessas figuras adoráveis que o diretor seguiu durante toda a sua carreira. Ao redor dele orbitam os tipos que aparecem de maneira certeira em filmes díspares como Quando Papai Saiu em Viagem de Negócios, Vida Cigana, Underground e Gata Branca, Gato Negro. Díspares em termos, pois, se mostram personagens em conflito em épocas diferentes, possuem o estilo inconfundível de um cineasta cujas obras remetem tanto a Fellini quando ao cinema iugoslavo dos anos 60 e a Victor Erice.

"A vida é um rio de águas turbulentas e suaves ao mesmo tempo" – seria um mote possível para definir os filmes de Kusturica. Por trás de um pai enérgico e por vezes tirano, há um homem extremamente carinhoso. Por trás de uma mulher que parece sempre desprezar esse homem, há uma esposa devotada, agradecida, que sabe dar valor à família que ambos construíram. E a bela prostituta, grande vítima da brutalidade masculina, é um anjo que vai mudar para sempre a vida de Dino, rapaz envolto com o duro cenário da Iugoslávia nos anos 60, durante o regime do Marechal Tito (à época já totalmente livre da influência stalinista).

Em ambos, a marca de um diretor muito pessoal. Mais maneirista em Dolly Bell, mais lírico em Quando Papai…, alegórico em Underground e apaixonado em A Vida é um Milagre. Um diretor que voltou a ser injustamente subestimado no pobre círculo do cinema de arte europeu.

Sérgio Alpendre