Ano VII

O Homem dos Olhos Frios

quarta-feira jul 18, 2012

O Homem dos Olhos Frios (The Tin Star, 1957), de Anthony Mann

Muitas vezes um único plano justifica todo um filme. O plano final de O Homem dos Olhos Frios certamente é exemplar dessa justificativa. A câmera sai do meio da rua e acompanha a charrete que leva o herói, a mulher que o conquistou, com seu menino e um cachorro. A charrete passa pelo jovem xerife, que ouve a palavra final de incentivo, e pela bela jovem que finalmente laçou esse jovem xerife. A câmera a certo ponto deixa de acompanhar a charrete, enquanto esta se afasta da câmera e toma a rua que os levará para fora da cidade. A câmera só vai parar quando chegar ao ponto de onde partiu na primeira cena do filme, embaixo de uma varanda, com seus alicerces simetricamente arranjados para formar um sobreenquadramento milimétrico, que emoldura com perfeição esse final de western clássico, permitindo o definitivo The End. Poucos planos são tão belos quanto esse que encerra uma das obras-primas de Anthony Mann. Nele, o oeste alcança a mitologia da formação civilizatória americana como também a mais tocante poesia. Justificaria todo o filme, mas há muito além dele, já que se trata de uma obra perfeitamente coesa.

O Homem dos Olhos Frios é o único filme de Anthony Mann com Henry Fonda. Não precisava de outro. Uma vez que a habilidade de Mann com os movimentos de câmera e com o uso do espaço se une ao brilho que sai do rosto de Fonda, numa conjunção que raramente acontece, qualquer retomada da parceria arranharia essa coesão que se deu como que por milagre: o ator certo, na hora certa, com a trama certa e o diretor certo. Tal milagre se opera também com o restante do elenco. Até mesmo um jovem Anthony Perkins (ator perigosamente canastrão) se sai muito bem como o xerife decidido, mas inexperiente.

A moldura que encerra o último plano na verdade serve para nos confirmar que vimos um filme exemplar, que trabalha com os códigos do western de maneira lapidar, e insere o tema do racismo de forma mais sutil – embora certeira e igualmente marcante – que em Rastros de Ódio. O VistaVision favorece a profundidade de campo, a elegância dos deslocamentos laterais da câmera (em Mann), as panorâmicas reveladoras (em ambos), o brilho nos olhos dos atores (mesmo o que deveria ter os olhos frios, como diz no título nacional). Só não combinam no cromatismo. O filme de Ford prima pelo uso intensivo e dramático das cores. O de Mann, pela graduação dos tons acinzentados. Nos dois casos, a câmera se inicia e termina sob um teto. Esse teto obviamente quer dizer civilização. O herói, em ambos, se afasta dessa civilização (em Rastros, não sabemos o que irá lhe acontecer, em O Homem dos Olhos Frios, terá uma nova vida de casado em outra civilização, pelo menos de acordo com o que se espera). A moldura de um é vertical e mais retangular, com as sobras enegrecidas pela ausência de luz. A do filme de Mann imita a moldura do próprio quadro que encerra os personagens, como se quisesse dizer: "eis o cinema, afinal".

Sérgio Alpendre

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br