O Mensageiro
O Mensageiro (The Go-Between, 1971), de Joseph Losey
O Mensageiro é aquele típico filme onde tudo se encontra tão bem posicionado e arranjado que é difícil não desconfiar de sua milimetricamente cuidada aparência. Adaptado por Harold Pinter de um romance de L. P. Hartley, com nomes como Julie Christie e Michael Redgrave no elenco (sem mencionar a trilha-sonora original, de Michel Legrand), esta produção de 1970 levou a Palma de Ouro do Festival de Cannes, derrotando concorrentes como Morte em Veneza, de Luchino Visconti, com o qual poderiam ser traçados alguns pontos de convergências e dissonâncias formal e temática.
Muito acima de todos estes atraentes dados, paira Joseph Losey: cineasta que começara sua carreira no teatro nos anos 30, particularmente influenciado por Bertold Brecht, do qual iria com sucesso trazer aos palcos Galileu, Galileu. Sua entrada no cinema dá-se com O Menino dos Cabelos Verdes, uma das mais belas fantasias sobre intolerância e repressão coletiva já feita, onde o discernimento humanista do diretor, lidando com as contradições do homem, já se fazia latente (de fato, são poucas as estreias que surgiram tão sóbrias).
Notória vítima do Caça às Bruxas do senador Joseph McCarthy, Losey parte à Europa, onde realiza uma série de filmes, especialmente no Reino Unido, dos quais O Mensageiro é possivelmente o mais famoso. Nele, desenlaçam-se os eventos que iriam marcar imensamente a vida destas três personagens, separadas sobretudo pela diferença de classes sociais, na rígida sociedade britânica no início do século 20.
Leo Colston (Dominic Guard, adolescente, e Michael Redgrave, adulto) é um garoto prestes a completar 13 anos, convidado a passar alguns dias de verão na suntuosa casa de campo de um amigo. É através de suas reminiscências que acompanhamos a delicada posição em que ele iria logo encontrar-se: após seu colega adoecer, ele aproxima-se de Lady Trimingham (Julie Christie), a irmã mais velha de seu anfitrião, a quem passa a prestar alguns favores, intermediando seu relacionamento com Ted (Alan Bates), um rude fazendeiro vizinho, portando mensagens de um a outro.
Eis o suficiente para Losey encenar estas oscilações de intimidades, dentro das quais a paixão e a amizade nunca irão desatar-se por completo das iminências da influência e da submissão. À virtude do menino, contrapõem-se a mesquinhez aristocrata da família e o desejo irrefreável do casal, tornando-o simultaneamente catalizador e joguete dos anseios destas pessoas. Dentre estas, diga-se, nenhuma em pleno controle de suas emoções; afinal, não temos vilões aqui e daí, também, o refinamento da abordagem do diretor, lidando com um material que pende reiteradamente ao folhetim.
E o turbilhão emotivo pelo qual Leo passa nunca poderia deixar de incluir-se àqueles próprios característicos de sua idade, tornando este momento de contato e superficial interação com esse universo, ao qual ele não pode evitar sentir-se atraído, a fratura entre seu passado (sua inocência) e seu contínuo e excruciante presente.
Bruno Cursini
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