Ano VII

Aos Nossos Amores (À Nos Amours, 1983)

segunda-feira jul 2, 2012

Aos Nossos Amores

À Nos Amours, 1983

Os vagueios de Suzanne, personagem de Sandrine Bonnaire, são uma porta aberta para os modernistas situarem Aos Nossos Amores na história do cinema. E não é à toa que erram feio, pois o que eles considerariam moderno neste filme de Pialat é apenas “moderno”, ou seja, uma ideia pronta extraída de leituras ignóbeis e preguiçosas sobre o que são os filmes de Truffaut, Rohmer, Eustache etc. – a experiência não só da Nouvelle Vague, mas de todo o cinema moderno francês.

É curioso, assim, que este Aos Nossos Amores seja um filme revisionista, uma preciosa lição do cineasta sobre o que é modernidade, moderno e cinema moderno. Muito a ver com aquele ano de 1983, quando o cinema francês estava num deserto bastante seco e já se escorava nessa tradição modern(ista) que o qualificou no cinema mundial. E é muito sintomático que, ainda hoje, o discurso de Pialat (como pai do filme e também como pai no filme) sirva como um soco no estômago desses que creditam os filmes de Truffaut, Godard etc. como trabalhos “mais próximos da vida, do mundo, das complexidades do homem”. Essa modernidade de araque que vitimou um Garrel – basta ver a volta de parafuso espanado que ele dá em Um Verão Escaldante (2011).

Não à toa, Pialat, assim como Chabrol, é um desses diretores difíceis de se carimbar. E, como Bresson, é um cineasta moral. É assim que, no desfecho de Aos Nossos Amores, ele próprio, no papel de pai (la père, o pai) de Suzanne, senta-se à mesa e põe tudo a limpo, moralizando (localizando, desmascarando) o papel que os personagens exercem no mundo. Ele próprio explicará melhor que a promiscuidade de Suzanne, vista pelo senso comum como um modo legítimo de se entender no mundo, é nada além que natural. O amor, esse valor cultuado também e sobretudo pelos modernistas, é, na verdade, uma balela, pois o que interessa a Suzanne é ser amada.

Para se falar do natural, há uma imagem mais direta, de contornos morais mais claros. É assim que Aos Nossos Amores mostra, em princípio, uma Suzanne/Sandrine Bonnaire irrepreensível, lendo um texto literário que justifica atos torpes em nome do amor que lhe será útil para justificar suas leviandades aos nossos olhos espectadores. O filme, bressonianamente, mantém-se aparentemente neutro no registro que mostra a atriz-personagem meio perdida, chifrando o namorado ou o bom marido. O corpo e rosto de Suzanne ganharão outro lugar somente após o pai Pialat esclarecer as coisas na mesa (nada mais moderno que pôr o mundo às claras). A opacidade bressoniana do semblante perdido de Suzanne, no plano final, não serve mais ao fetichismo de uma suposta densidade humana, mas sim, pelo contrário, a revelar o que há de mais natural, comum e banal nas inquietudes dessa mocinha bastante perdida. Pialat perfura o idealismo “moderno” e chega ao realismo moderno.

Paulo Santos Lima

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