Loulou (1980)
Loulou
1980
Loulou tem Gérard Depardieu e Isabelle Huppert. E também tem Guy Marchand. Um casal e um terceiro, porém esse terceiro, o marido, é quem está sobrando. Depardieu é Loulou, sujeito exasperado, um pouco mau caráter, porém afável. Isabelle Huppert é Nelly que conhece Loulou embriagado em uma boate ao som de uma música dançante e horrível, e na primeira sequência do filme o seu trajeto entre Loulou e André nos revela de imediato o que sente por um e por outro. Guy Marchand é André, sóbrio, distinto, aborrecido e furioso contido porque Nelly não o quer mais. Nelly se sujeita a um tapa de André, não porque pense que mereça, mas porque sente por ele uma mistura de piedade e desprezo. A aceitação do tapa consuma o sentimento e o ridículo da situação, é o oposto do cristão “dar a outra face”, pois a risada nervosa de Nelly só confirma o tamanho do patético André, homem pequeno.
Apreendamos essa sequência: uma síntese das contradições gritantes entre a liberdade (que aqui nem sempre se mostra prazerosa) e o amor (que não se traduz necessariamente como bem querer). É um movimento de atrito e choque: Nelly se desloca do desajuste comportamental de Loulou que a puxa duas vezes para que ela não vá (faz isso enquanto dança, bêbado, em tom de curtição, não de possessão) e a postura severa de André parado a um canto, com o corpo duro, quase travado, a uma distância segura dela. No trajeto de Nelly, de um a outro, essas contradições se fazem como um ritmo quebrado. Loulou é uma dramática coreografia dos sentimentos que se fazem como movimentos em falso. Neste filme e em todo cinema de Pialat o que dá a forma das relações de afeto não é a busca pela felicidade ou liberdade, mas o descompasso entre o que se deseja, o que se faz em função disso e a incapacidade permanente de se definir os sentimentos. O corpo sempre responde antes das palavras.
É nesses paradoxos que Pialat faz seu filme. E paradoxos – ainda em se tratando de sentimentos (não de discursos) – são de difícil expressão em qualquer arte, pois é uma afirmação de dois sentimentos misturados e contraditórios que existem em igual potência e verdade. Por isso, e não por acaso, jamais se conseguiu adaptar para o cinema O Vermelho e o Negro, de Stendhal, obra enorme e singular em que sentimentos opostos convivem e se digladiam gerando atos calculados e exasperados que traem continuamente o desejo (que é o oposto das ambições mesquinhas). Pialat, sem exagero, é um autor da estirpe de Stendhal.
Aos que não assistiram e aos que já assistiram, atenção à última cena: um dos atos de amor mais difíceis que o cinema nos legou. É a aceitação e a integração do amor maculado, da imperfeição. Ama-se às vezes o que é feio, não por ser bom, mas porque é verdadeiro, por isso radical. Amor e liberdade: indissociáveis e nem sempre doces.
Francis Vogner dos Reis
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