Sombras da Noite
Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012), de Tim Burton
Não é de se estranhar a desconfiança com que muitos receberam Sombras da Noite, o último Tim Burton. Pela oitava vez trabalhando com Johnny Depp, e pela enésima dentro de seu cartunesco universo gótico, taxar o cineasta americano de acomodado, ou resumi-lo à posição de grande cenógrafo, me parece uma investida respectivamente verdadeira (mas não por isso depreciativa) e plenamente tola.
Peguemos este ultra-estilizado (mesmo aos altos padrões do diretor) prólogo em que, no crepúsculo do século 18, o elegante Barnabas Collins (Johnny Depp, como não poderia deixar de ser) narra sua derrocada, quando a sedutora e feiticeira empregada de sua nobre família, Angelique (a ótima Eva Green), mata seus pais e, por ciúme do amor de Barnabas por Josette (Bella Heathcote), transforma-o em vampiro e o enterra vivo, próximo à mansão de sua família, na cidade por ela fundada e que carrega seu nome: Collinsport, no Maine.
À maneira de um conto de fadas (como já visto tantas vezes anteriormente), Burton prepara habilmente o terreno no qual ele irá explorar a inadequação de seus personagens, aqui não apenas por suas próprias peculiaridades, mas pelo sempre divertido deslocamento temporal, uma vez que Barnabas será desenterrado nos turbulentos anos que abriram a década de 1970.
Nesta transição – através do mais belo plano do filme, onde talentosamente subjaz oculto tudo aquilo que fez a fama de seu diretor, com um trem cortando as florestas da Nova Inglaterra, ao som da maravilhosa Nights In White Satin, dos britânicos do The Moody Blues –, encontra-se a melancolia e o encanto destas adoráveis aberrações e, sobretudo, a nostalgia do espectador por estes momentos derradeiros de sonho e utopia.
Esta harmonia, entre a desgraça do romântico e cortês vampiro condenado, eternamente apaixonado (materializado na decadente, mas persistente mansão de sua família), e, por exemplo, os já anacrônicos hippies, prestes a constatar a massacrante reeleição de Richard Nixon (que culminaria em sua renúncia, dois anos depois), que trás, a Sombras da Noite, sua singularidade.
Ainda mais salutar, é que isso se dá sob uma jovialidade ligeira, e Burton não desperdiça nem as gags mais anedóticas da situação – como a confusão de Barnabas, que toma o logo do McDonald’s pela inicial de Mefistófoles, ou seus hábitos noturnos, dormindo de ponta cabeça, agarrado às cortinas –, nem as referências ao seriado no qual ele se baseia ou às eternas produções do passado, vide a breve participação de Christopher Lee, ou o plano da Dra. Julia Hoffman (Helena Bonham Carter) no fundo do mar, numa imagem evocativa daquela de Shelley Winters, na obra-prima absoluta de Charles Laughton, O Mensageiro do Diabo.
Poucos dos últimos filmes de Tim Burton foram tão divertidos e, certamente, nenhum é tão ingenuamente excitante, nos fazendo desejosos por um pouco mais de tempo de tela para Michelle Pfeiffer, como Elizabeth Collins: a matriarca deste deteriorado clã, neste mundo em deterioração. Pena que o ritmo caia um pouco, particularmente em sua inflada batalha final.
Nada, no entanto, que faça-nos suspeitar de qualquer oportunismo por parte de seu diretor, aqui tão confortável em seu universo de estranhezas reconhecíveis e romantismo démodé.
Bruno Cursini
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