Ano VII

CineOP: Dia 1

sábado jun 23, 2012

7ª CineOP – 1º dia – O que nos dizem os curtas (e os jovens que os veem)

Sentimento contraditório este de acompanhar a sessão com estudantes. Aqui em Ouro Preto, na primeira projeção de curtas-metragens de sexta-feira (22), além do público “normal”, houve uma volumosa excursão com jovens, aparentemente, do Ensino Médio.

Por um lado, fico muito entusiasmado. Que ótimo seduzir jovens espectadores para o cinema – e melhor, para um tipo de cinema que quer alguma coisa do cinema. Se não for por iniciativas como essa da CineOP, qual seria o canal de contato de um filme como o da Alumbramento com a molecada?

Mas uma outra porção minha não consegue aceitar o comportamento do espectador que se esquece estar numa sala de cinema, não na sala de jantar da sua casa. Conversas, bate-papos, bochichos constantes durante a projeção dos seis curtas-metragens. OK, essa “interação” não é exclusiva dos estudantes, basta ir a qualquer sala – ao menos em São Paulo – para passar alguns momentos de raiva.

Então fico assim: encantado ao ver gente nova descobrindo filmes e dialogando à sua maneira com os filmes X raivoso contra quem trata o ambiente da sala escura com tamanha banalidade.

A felicidade alheia de quem tem dinheiro

A presença da produtora/coletivo Alumbramento fez-se visível. Dizem que Os Cães Veem Coisas, de Guto Parente, e Primas, de Salomão Santana, foram dirigidas por realizadores que dela fazem parte.

A sessão também teve Elefante Invisível, de Elisa Ratts, Eu, Zumbi – Coisas de Bar, ou Passa a Régua e Traz a Conta, de Alexandre S. Buck (que eu não entendo por que foi classificado como experimental no guia da CineOP), e os fracos Giap – Memórias Centenárias da Resistência, de Silvio Tendler, e Nelson em Ouro Preto, de Fábio Carvalho.

Em Dizem que Os Cães Veem Coisas, temos uma festa à beira da piscina com personagens/tipos de festas de gente com um pouquinho a mais de dinheiro (o bombadão que se acha pegador, a peituda, o garçom relapso, a dona da casa). O ápice do filme é quando o gordo que se atira na piscina e espalha água por todos os lados. Com um copo de uísque na mão.

Guto Parente parece filmar dividindo o mundo entre nós, os que olham de fora, e eles, os personagens. Em Flash Happy Society (2008), a abordagem foi certeira: um olhar externo criticando o fetiche da imagem, das câmeras digitais que pipocam em shows e interferem na própria experiência artística.

 

Com Dizem que Os Cães Veem Coisas, já não tenho certeza se me sinto confortável com essa abordagem. Pela decupagem e fotografia/direção de arte/pós-produção de tons fortíssimos, quase publicitários, queda uma sensação de que a intenção é mesmo fazer troça daqueles que se divertem numa felicidade que me parece genuína – mesmo que não seja a minha felicidade – e que, como fala o título, os únicos que veem as coisas com outros olhos são os cães, ou seja, quem está de fora.

Seriam esses personagens como os burgueses de Buñuel em O Discreto Charme da Burguesia? Não tenho nem certeza de que são burgueses mesmo. Eles lembram mais tipos que enriqueceram há pouco e compraram um sonho de felicidade de comercial de margarina. Mas não consigo ter raiva do vazio dos personagens de Dizem que Os Cães Veem Coisas, nem vontade de ser irônico com eles como o é o filme. O que me dá mais é tristeza. E um auto questionamento: não teríamos nós também, os que percebem e criticam como tudo está torto, nossos momentos de gordo bêbado pulando na piscina com um copo de uísque na mão?

Uma revisão do curta vai clarear as ideias. O que dá para dizer com certeza é que esse filme de Guto Parente, entre todos da sessão, é o que mais dá vontade de falar, conversar, retomar.

Já o outro filme da sessão produzido por um membro da Alumbramento, Primas, não me instiga muito a falar. Os filmes de Salomão Santana continuam sendo uma incógnita para mim. Não tenho grandes simpatias pela anti-ação de Aprenda a Nadar e com Primas ao menos acho engraçado o contraste de uma ação banal (duas mulheres saem do mar e se deitam na areia) com a narração oficiosa, quase como um evento épico, de Francisco Cuoco. Mas nada além disso.

Elefante Invisível, de Elisa Ratts, é resultado de uma oficina realizada pela Casa Amarela, de Fortaleza. Tem-se um adolescente desencaixado com o mundo. Ele se esforça para compartilhar momentos de interação, mas parece estar sempre fora.

Abordar esse desconforto com o momento e buscar caminhos para onde ir (é o que indica a caminhada final na rua, à noite, sem rumo) mostra-se como o desejo comum de uma geração. Elefante Invisível é correto em sua realização: trabalha o som e o enquadramento de maneira a criar essa distância do personagem com o mundo. Porém, resta também um certo incômodo de que os elementos narrativos desse curta já foram usados muitas outras vezes (a porta que nos impede de ouvir o áudio da sala de aula; o fora de quadro do protagonista; o ator estático em meio a coadjuvantes em movimento constante).

Bruxa de Blair do Facebook

Eu, Zumbi – Coisas de Bar, ou Passa a Régua e Traz a Conta começa como um fetiche pela imagem e se mostra, ao revelar o que está por trás do filme, um exercício mais crítico do barateamento das câmeras digitais, dos celulares modernos, e da bobagem coletiva que é o Facebook.

Numa narrativa paralela, de um lado temos um garoto que se autor registra num bar e, por “acidente”, capta o assassinato de um homem. Do outro, jovens que brincam de fazer filme e decidem colocar seu ator, um zumbi, andando pelas ruas. As duas linhas se unem: o homem morto da primeira parte é o ator zumbi que conheceremos na segunda parte.

O curta de Alexandre S. Buck cresce em importância quando mostra que não é um Bruxa de Blair ou um Atividade Paranormal, mas um comentário da verborragia das mídias sociais, da incapacidade do homem contemporâneo reagir para dentro. Traduzindo: do porquê as pessoas falam demais, curtem demais, compartilham demais, comentam demais, se “indignam” demais.

Vietnamitas e Nelson Pereira dos Santos

Giap – Memórias Centenárias da Resistência, de Silvio Tendler, recupera a importância história de Ho Chi Min para a soberania do Vietnã, seja contra os franceses os americanos. Personagem importantíssimo, todos sabemos e reconhecemos. Legal que houvesse tantos estudantes na sessão para (re)conhecê-lo.

Mas, poxa, o filme precisava ser tão, mas tão óbvio na realização? O filme é sobre um militar que derrotou outros militares, uma luta que garantiu a independência de um povo. E para tal escolhe-se uma trilha claramente militar, entusiasta? E o único respiro à entrevista com o capitão são boas imagens da época de guerra. Falta ousadia, mais atrevimento ao lidar cinematograficamente com as imagens, dar uma outra percepção. Não bastasse isso, terminar o filme com a bandeira do Vietnã tremulando é a solução mais previsível que um filme como esse poderia encontrar.

Para encerrar, Nelson em Ouro Preto, de Fábio Carvalho, recupera imagens de uma visita do diretor à cidade histórica mineira no começo dos anos 90 e as intercala com batuques dos negros, o que remete ao universo de alguns filmes de Nelson, como Tenda dos Milagres e O Amuleto de Ogum. Mas é muito pouco para um curta achar que um diálogo é traçado apenas pela presença de duas imagens distintas dividindo o mesmo espaço fílmico.

Heitor Augusto

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