American Pie: O Reencontro
American Pie: O Reencontro (American Reunion, 2012), de Jon Hurwitz e Hayden Schlossberg
São alguns os interesses que se pode ter sobre um novo American Pie, sobretudo, o mais justificável: fazer parte da geração retratada no filme original. Considerando que todo o seu sentido existe a partir dessa ideia geracional sobre esse universo pequeno-americano que a série retratou, estar fora dela é perder praticamente qualquer motivo para acompanha-la.
Isso porque ela não possui maiores talentos para além de uma ou outra boa sacada, eventuais gags que funcionam num modo de anarco-comédia a la John Landis. A segunda, é que o episódio original da série tem um papel importante na comédia americana, pois reacendeu um subgênero do filme de adolescente esquecido e relegado aos slashers. Se a sensibilidade ainda está distante da dos irmãos Farrelly – incomparavelmente mais talentosos e políticos que esse trabalho de garotos interioranos –, isso não torna menos relevante o fato da série ter devolvido o adolescente americano a um papel na dramaturgia americana contemporânea.
O outro motivo é que os cineastas por trás do filme, Jon Hurwitz e Harry Schlossberg, são os criadores dos Harold & Kumar (roteiristas no primeiro, diretores nos outros), todos com grandes momentos de comédia. A presença deles (trabalhando com alguma liberdade criativa) garantiu pelo menos alguns bons momentos.
O problema é que o resultado parece amarrado demais: impressiona como as continuações dos filmes ignoram por completo o fato de que o primeiro tentava dar às personagens femininas a mesma angústia juvenil que assombra os homens em todas essas comédias, especialmente as que envolvem o sexo. Como a América castra as meninas, os trabalhos subsequentes concentraram-se na amizade central do grupo de Jim (Jason Biggs) e, ainda, foram obrigados a resguardar o Stifler, personagem de Seann William Scott.
Esse novo capítulo é certamente aquele que consegue fazer essa passagem de Stifler para o grupo fazer mais sentido, já que sua intrusão é colocada, enfim, em questão. Quanto às mulheres, o retrato de Michelle (Alyson Hannigan) pós-maternidade beira o patético, muito distante da loucura adolescente de outrora, enquanto Vicky (Tara Reid) mal tem tempo em cena, embora mais uma vez se tente criar um impedimento para a relação adulta dela com Kevin (Thomas Ian Nicholas), namorados no American Pie original.
A relação deles, que anteriormente centrava-se em torno de Kevin conseguir dar prazer a ela, passou a ser sobre o medo dele por não saber como agir ao lado dela. Kevin é de longe o personagem mais crível de toda a série, mas os cineastas/roteiristas nunca souberam o que dar para ele fazer em cena. É um grande erro estrutural fazer o Stifler repetir o seu ato cômico incansavelmente, quando funcionaria muito melhor se ocorresse poucas vezes, assim permitindo que os outros personagens da comédia existissem.
Isso porque a pretensão aqui é fazer com que o espectador se interesse igualmente por todos do grupo, se importando com seus respectivos rumos. No entanto, o tratamento dado a Heather (Mena Suvari), por exemplo, é o mais conservador possível. Ela ressurge com um namorado bem sucedido, um completo boçal, e está infeliz, porque Oz (Chris Klein) a abandonou. É a velha ideia preguiçosa de que sua vida empaca sem o seu homem.
Por outro lado, a abordagem sobre o envelhecimento dessa geração é particularmente interessante, pois trabalha uma ideia de que eles seriam uma espécie de geração de ninguéns: são apenas garotos de uma pequena cidade nos EUA. A grande crise no filme é a falta de contato entre os personagens. A distância progressiva que o tempo causa entre os amigos é o único drama real, pouco falado, mas sempre sentido. Não à toa, eles têm o desespero por fazer e recuperar o clima de outrora.
É claro que isso já não é mais possível, e a retomada da amizade terá de se dar de outros modos. Assim, Stifler quebra a cara no seu desespero por fazer uma festa aos moldes da escola; Finch precisa mentir o tempo inteiro pra fingir a vida interessante que ele não tem; Kevin fantasia ter traído a mulher sem nem tentar desvendar o que houve na noite. Do grupo central, o único cujo drama parece velho e desinteressante é o Oz, justamente aquele que goza de um sucesso considerável. Sequer ficamos sabendo o que o Jim faz, uma vez que nosso único interesse por ele ao longo da série foi por sua vida sexual, que agora vai de mal a pior.
Se American Pie: O Reencontro leva com algum interesse essa ideia do envelhecimento – com diversas piadas sobre a tentativa deles de se misturar em um grupo de adolescentes, como se ainda tivessem algum contato com esse espirito – ele não consegue se sustentar nisso.
Não há esse poder de retrato, de uma força dos personagens que possa de fato ser tida como um retrato verdadeiramente expressivo de uma geração. Não é um trabalho de Judd Apatow que consegue sem grande esforço esse tipo de retrato. Ele existe aqui, mas é capenga, soando por vezes perdido em meio à realização do filme. Parece que a necessidade de obedecer aos ritos de American Pie o impedem de existir por si.
A introdução humilhante, o momento épico em grupo, sua reunião para resolver algum problema no clímax e o tradicional brinde. São pontos estruturais onipresentes na série. E parecem mesmo amarras, que dão menos personalidade à série, a colocando dentro de um circulo maior, daí talvez obrigando que abordemos esses filmes como parte desse retrato torto, mesmo que simpático – de fato, há aqui até mesmo brincadeiras bacanas com esse elemento histórico, trazendo o famoso incidente de Jim com Nadia como uma febre na cidade, visto repedidas vezes através do YouTube.
É justamente nos momentos em que a narrativa consegue se livrar dessa significação que ela consegue funcionar melhor. Há momentos muito, muito engraçados no filme. Quando eles se soltam das necessidades, vemos coisas que beiram o louco, coisas que não fazem nenhum sentido acontecer.
O que explica a menina que é obcecada em perder a virgindade com o Jim? E todo aquele arco onde ela tenta estupra-lo? Aquilo é fantástico, apesar da piada ruim com as Spice Girls. O “pai de Jim” (Eugene Levy) pirando na festa também tem alguns momentos fortes. O instante em que o grupo tem que agir junto pra levar a moça apagada nua pra dentro de sua casa é um clássico momento da série que funciona com um todo. Grosseria, timing, sutilezas. Tudo funciona.
Infelizmente, Hurwitz e Schlossberg, acostumados a trabalharem nos Harold & Kumar (totalmente livres para revirarem o mundo, produzindo, assim, além de filmes muito engraçados e loucos, algo consistentemente político), não conseguem fazer algo de verdadeiramente bom num outro tipo de comédia mais baseada na observação de um grupo do que na criação de gags. Não é caso de aliviar para eles, mas de reconhecer que American Pie: O Reencontro só funciona de fato quando eles conseguem fazer o seu lado mais insano vencer. Ainda assim, a turma de Jim não deixa de ter seu valor, e o filme de ter seu interesse.
Guilherme Martins
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