Ano VII

Dia 3: Portugal salva

quarta-feira jun 6, 2012

Viagem a Portugal, de Sergio Tréfaut

Dia 3: Portugal salva

Dos três filmes vistos no terceiro e último dia de Olhar de Cinema, os dois melhores são realizados em Portugal. O que dá ao festival a incrível marca de três filmes portugueses como os ocupantes do pódium (os longas de John Cassavetes obviamente são hors-concours). Não são filmaços, longe disso. Mas mostram um desejo de experimentar que não passa pela preguiça habitual demonstrada no cinema brasileiro atual. Daí a grande diferença entre a representação portuguesa (não vi um único longa, Gesto) e a brasileira (cinco longas vistos, a maior parte em festivais anteriores, com o melhor sendo inferior ao pior português). Muitos acham, equivocadamente, que tal constatação faz minha alegria, quando é exatamente o contrário. Mas vamos ao relato de como foi esse terceiro dia em que a chuva e o frio atingiram Curitiba impiedosamente.

Viagem a Portugal é baseado em uma história real. Mas aqui não há frustração em saber disso (como no caso de Tudo Que Deus Criou), justamente porque a direção é precisa. Sérgio Tréfaut, brasileiro de pai português e mãe francesa, investe no clima onírico para salientar o lado kafkiano do que acontece com a imigrante ucraniana (Maria de Medeiros) que vai a Portugal para visitar o marido senegalês (Makena Diop), mas é impedida por uma funcionária da polícia de imigração (Isabel Ruth). O esteticismo não briga com o realismo, e a informação de que se baseia numa história real nos causa uma certa revolta pelo estado das coisas. Tanto poder a uma só pessoa, e é ela que decide se você terá ou não dor de cabeça ao tentar entrar em um país. Lembra Olhos Azuis, de José Joffily, só que sem o flerte contraditório com Hollywood.

Temos duas atrizes que trabalharam com Manoel de Oliveira (Medeiros e Ruth) em um longa que nada tem a ver com o mestre centenário. O clima de Viagem a Portugal remete a THX1138, de George Lucas, no visual dominado pelo branco, e ao escritor tcheco Franz Kafka, o mais óbvio parentesco do filme. Não há como esquecer a situação de O Terminal, em que Tom Hanks fica impedido de embarcar em qualquer voo e também de sair do aeroporto. Situação igualmente kafkiana, tratada como se fosse uma comédia romântica por Spielberg. Tréfaut dá ao filme o clima ideal, e certamente acerta ao dar uma atmosfera lúgubre (toda a branquidão, afinal, lembra uma antessala do além), mas se equivoca em algumas repetições desnecessárias (é seu toque Anjo Exterminador).

Com Para Além das Montanhas, produção nipo-lusitana, me despedi do Olhar de Cinema. Foi o último filme visto. Aya Koretzky, a diretora, indaga a seus pais o porquê de ter saído do Japão, e o porquê de ter escolhido uma região rural de Portugal. Por causa da resposta (algum lugar distante dos grandes centros urbanos, do progresso, as usinas nucleares), vemos imagens da natureza da região, dos animais que a família resolveu domesticar, dos que já estavam domesticados (cães e gatos), em alternância com fotos de família, compondo um emotivo álbum de retratos e indagações. A câmera rosselliniana persegue com interesse esses animais, e capta as paisagens da região. Um filme curto (59 minutos), captado com uma câmera numérica que não é das mais eficientes. Mas acima de tudo um belo retrato geográfico-familiar.

O outro filme visto no terceiro dia é o colombiano Karen Llora en un Bus, de Gabriel Rojas Vera, que vai encerrar o Festival Internacional da Lume daqui a alguns dias. Entra naquela categoria dos “não realmente bom, mas deveras simpático”, que muitas vezes serve de muleta para o crítico indeciso. Mas nesse caso é inevitável o apoio nessa muleta. Trata-se de um filme a que se pode ver tranquilamente, sem nenhum grande problema de estrutura ou realização. Correto, mas modesto o bastante para ser esquecido tempos depois. Nele, uma esposa sente-se presa em um casamento estagnado, e busca a libertação. No processo de “repintar sua vida”, descobre uma outra maneira de lidar com as coisas (quantas vezes não vimos esse filme?). Ao se envolver com outro homem, ela percebe que iria repetir o mesmo ciclo vicioso do casamento anterior e pula fora enquanto é tempo, para tristeza do novo namorado, um dramaturgo de prestígio. É um filme com moral do início dos anos 1960, não traduzido para os dias de hoje. Serve sobretudo para vermos que o transporte público de Bogotá é bem melhor que o de São Paulo. E que ainda cabe uma inocência de olhar dentro da cinematografia colombiana.

Sérgio Alpendre

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