Ano VII

O Homem Que Não Dormia

domingo mai 6, 2012

O Homem Que Não Dormia (2011), de Edgard Navarro

No segundo longa-metragem de Edgard Navarro, O Homem Que Não Dormia, vemos a surpreendente e propositadamente desagradável imagem de dois velhos cegos se masturbando. É uma imagem que Luis Buñuel testemunhou em sua juventude e não teve coragem de colocar em um de seus filmes, apesar de ter sugerido ou mostrado coisas muito mais ousadas no decorrer de sua carreira. Navarro o homenageia arriscando perder uma boa parcela de seu público em potencial, que se choca ao ver algo fora do padrão ou ao ter sua noção de decência vilipendiada por algum artista raivoso. E Navarro está certo ao dar um dane-se a esse público em potencial. Tem cineasta que precisa mesmo se lixar para o mundo, para a crítica e para o público. Navarro bom é Navarro desmedido, incorreto, exagerado e desagradável, que faz filmes imperfeitos, tortuosos, como este e Superoutro, que o revelou à cinefilia. Quando se policia para dar vazão ao fluxo de memórias, realiza obras menos pungentes como Eu Me Lembro, espécie de falsa estreia em longas. Ou melhor: um prólogo necessário para expurgar certos fantasmas.

O Homem Que Não Dormia está longe de ser uma obra-prima. Seu ritmo desanda em vários momentos, ao sabor das desconexões criadas pelo desejo de chocar acima de qualquer outra coisa. Apesar disso, tem uma força que só se explica por anos e anos de sabotagem de um crescimento. Falo do hiato imposto a Navarro pelas parcas condições de produção do cinema brasileiro. Hoje em dia a coisa não está muito melhor, com o MINC andando para trás e essa burocracia nojenta que nos cerca por todos os lados. Por isso é um milagre que filmes como este, O Gerente, Na Carne e Na Alma e Luz nas Trevas ainda apareçam.

O catálogo de bizarrices com que Navarro coloca o bom mocismo afetivo do cinema brasileiro de pernas para o ar é significativo de seu desejo explosivo: um padre que vai aos búzios, jovens sem perspectivas sob a sombra do coronelismo, uma mulher fogosa e liberal que dá prazer carnal a dois desses jovens, o personagem-título que não se encaixa num protagonismo,  além dos louquinhos folclóricos de plantão. Trata-se de um filme para o qual cabem inúmeros adjetivos, por vezes até antagônicos. É desleixado e rigoroso dependendo do momento (a câmera tanto pode realizar um movimento elegante quanto ser balançada de um lado para o outro sem muito critério), delirante e desconexo, mas bem construído (já que os delírios e desconexões estão ligados aos personagens malucos, às lembranças e às histórias contadas). É instigante, referencial, safado, despudorado. Filme de veterano alijado e sedento, um esporro no cinema contemporâneo “fofinho”.

Sérgio Alpendre

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