Cine PE – 2º Dia
No segundo dia, um golpe de sorte. Ou não. Passou novamente À Beira do Caminho, exibido anteriormente na abertura e prejudicado pelo som da cópia digital. É um filme de Breno Silveira, depois do sucesso com Dois Filhos de Francisco e do fiasco de Era Uma Vez.
O longa de Silveira flagra João Miguel como um caminhoneiro desiludido por algo que lhe aconteceu no passado. Obviamente está dado o gancho para que o diretor explore a nova coqueluche do momento, trabalhar com idas e vindas no tempo, ou com flashbacks grosseiros (ainda verei o dia em que esses flashbacks usados pelos cineastas brasileiros deixarão de ser grosseiros, mas isso não vem ao caso).
À Beira do Caminho é baseado em várias canções de Roberto Carlos, mas as que mais se conectam com a história são “A Distância” e “O Portão”, duas obras-primas do rei. Ao som do refrão da primeira, somos apresentados ao homem que personifica a infelicidade, o caminhoneiro que parece fugir de seu passado sobre as rodas de seu caminhão. Numa parada na estrada, ele descobre que um menino cuja mãe faleceu está na caçamba de seu caminhão, esperando que o veículo o leve para São Paulo, onde pretende encontrar o pai que o abandonou.
O relacionamento que surge entre os dois remete instantaneamente a Central do Brasil, sendo que no filme de Walter Salles o caminho é em direção ao sertão nordestino. No filme de Silveira, temos o oposto. Esse caminhão que carrega duas almas perdidas viaja do sertão ao meio hiper urbano do sudeste. É uma metonímia do percurso do retirante, que vai para o sul à procura de melhores condições de vida. O abandono de um se espelha no do outro, ambos poderão ultrapassar uma etapa traumática em suas vidas. É o velho cinema de boas intenções, mas não faz feio.
Sempre música
Não baseado em músicas, mas em um músico, temos um filme que segue uma outra coqueluche, a dos documentários musicais. Felizmente, Jorge Mautner – O Filho do Holocausto, de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt, está acima da média dos filmes que adotam tal fórmula, apesar de segui-la mais ou menos à risca.
Muitos reclamaram que o filme é televisivo demais, que só faltou ouvir o plin-plin. Pode ser, mas a televisão pode dar coisas boas. Basta quererem (o que não acontece por má vontade e dinheiro). Rossellini, Rohmer, Kluge, Fassbinder, Cottafavi, todos fizeram TV e muito bem. Bial, acertadamente, não se incomodou com a provocação na coletiva de imprensa. Disse que iria tomar como um elogio, pois a televisão exige um ritmo muito bem construido, e que eles haviam conseguido isso.
Posso defender o filme de Bial e D’Alincourt de uma maneira muito simples. Sempre achei Jorge Mautner um tremendo mala, com apenas dois discos geniais: aquele sem nome de 1974, com a capa refletindo o desbunde da época e músicas como “A Matemática do Desejo” e “Maracatu Atômico” (que enjoou como “Stairway to Heaven”), e Eu Não Peço Desculpas, que ele fez com Caetano Veloso em 2002. Pois ao sair da exibição do documentário sobre sua vida e obra, saí gostando mais de sua música e de sua personalidade, algo que não aconteceu com o doc sobre Raul Seixas, nem aconteceria, suspeito, se eu já não adorasse Arnaldo Baptista e Os Novos Baianos, em relação aos respectivos Loki e Filhos de João.
Mas há um outro aspecto bem interessante a respeito de Jorge Mautner – O Filho do Holocausto. O modo como ele incorpora uma crítica ao personagem retratado, por meio de sua própria filha; crítica que logo se torna autocrítica, revelando a riqueza humana de Mautner. Isso tudo aliado ao show com ele acompanhado de um time de feras (incluindo Kassin, Pedro Sá, e esporadicamente convidados como Gilberto Gil e Caetano Veloso, faz desse documentário algo acima do trivial, a não se desprezar.
Sérgio Alpendre
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