Ano VII

Cine PE – 1º Dia

terça-feira mai 1, 2012

Paraísos Artificiais, de Marcos Prado


Foi meu primeiro dia no Cine PE, nunca tinha vindo ao maior festival pernambucano. E esse primeiro dia (o segundo do festival) não foi nada bom do ponto de vista cinematográfico. Três curtas: dois abacaxis de incômoda acidez (Isso Não é o Fim, de João Gabriel, e Quadros, de Sara Bonfim) e um que prima por ser burocrático (Zuleno, de Felipe Peres Calheiros) – melhor ser burocrático do que passar vergonha, diriam os incautos. É pouco, mas tem quem se satisfaça com o beabá preguiçoso.

John Ford dizia que só existe um lugar para se colocar uma câmera num set de filmagem, e que o bom diretor sabe exatamente qual é esse lugar. Pois Isso Não é o Fim parece um exercício em colocar a câmera no lugar errado. Sem contar a decupagem colegial e seu tom artificialmente desesperançado.

Quadrosé incrivelmente pretensioso. Tem certo senso de composição de quadro, o que é raro entre curta-metragistas brasileiros, mas peca retumbantemente nos diálogos, quase todos de uma infantilidade impressionante.

Zuleno, que nos mostra quem foi esse pintor pernambucano modernista, falecido recentemente aos 92 anos, salva-se nesse cenário desolador justamente porque não arrisca, não quer ser esteta ou poeta do mal do século. Mas como já disse, é muito pouco para nos animarmos, ou para reclamarmos da parca presença brasileira em Cannes (essa Copa do Mundo do cinema).

O longa-metragem que fechou esta minha primeira noite – e a segunda noite da 16ª edição do Cine PE -, manteve o nível bem baixo, mesmo sendo assinado por um diretor relativamente experiente, vindo de um docuimentário de certo prestígio e da produção dos arrasa-quarteirões Tropa de Elite.

Paraísos Artificiais
, o primeiro longa de ficção de Marcos “Estamira” Prado, emula, em sua metragem, a experiência de uma rave. Da expectativa com a festa movida a música eletrônica e da abertura para descobrir novas drogas e sensações à constatação final de que algo se perdeu no processo, temos espelhada na narrativa do filme a experiência de participar de um evento desses. Está tudo ali, flagrado de maneira não linear por uma câmera mais esperta do que atenta.

A impressão geral é a de termos visto um gigantesco comercial de energético com inserções de “aprenda a falar inglês em Amsterdan” e um flashback final no Rio de Janeiro que acerta uma pequena parte das pendências do filme (infelizmente, só no que diz respeito à trama) e faz com que o filme não passe por baixo da mesa de vergonha.

Isso posto, é necessário destacar que Nathalia Dill, a atriz principal, é talentosa. Não só porque tem uma beleza incomum, mas também porque veste-se muito bem no papel de DJ de sucesso que flertou com o espírito rave mas manteve-se deslocada de sua parte mais promíscua e perigosa. Disseram-me que faz parte da novela das nove. Sinal de que pode aparecer algo que preste ainda nesse espaço global.

É a história dela que acompanhamos com certo interesse no filme. Ela e sua alma gêmea, uma amiga inseparável com quem tem momentos de paixão carnal e ternura, vão para uma rave numa praia paradisíaca do nordeste brasileiro. Lá experimentam novas drogas, conhecem tipos místicos e dividem sexualmente um playboy, só pela experiência de dividirem algo intenso. As coisas não vão sair nada bem, sabemos desde o princípio, e o que nos resta acompanhar é o caminho de volta desses personagens perdidos, todos merecedores de alguma redenção exceto a amiga amante, que precisou ser sacrificada pela trama – algo que o filme só mostra depois de uma hora de projeção, mas que já tinhamos percebido antes. Não se fazem mais diretores da moral como antigamente.

A pergunta que se impõe no caso é: para que filmar tudo fora da ordem cronológica? O cinema contemporâneo herdou o pior do cinema moderno, essa mania de propiciar ao espectador uma experiência semelhante à da revisão, já na primeira visão de um filme. Dessa forma, dá-lhe pistas e mais pistas do que vai acontecer, para que o espectador sinta-se inteligente ao montar um simples quebra-cabeça.

O drama desses personagens seria muito forte caso se optasse pela ordem cronológica. Ainda mais porque os atores, quando não são bons, ao menos não comprometem. Infelizmente, prefere-se sempre os jogos de inteligência, de habilidade mais que duvidosa, a coisas simples e desprezadas como construção dramática; a confusão aparente à simplicidade transparente, o preguiçoso embaralhar de tempos à linearidade que reforça as emoções. Pobre dramaturgia.

Sérgio Alpendre

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