Ano VII

Titanic 3D

quinta-feira abr 12, 2012

Titanic 3D (Titanic, 1997), de James Cameron

-        É acachapante!

-        Claro que é! Afinal, nós somos da elite, meu bem.

O diálogo que Rose, a heroína de Titanic, trava com Cal, seu noivo, algoz e vilão, fala de um certo diamante que ela acaba de ganhar dele. Mas bem que serviria para ilustrar uma conversa a respeito do próprio filme, um diálogo entre James Cameron respondendo ao espectador um tanto que estatelado com a magnitude do filme. Sim, Titanic é acachapante e Cameron faz parte da realeza (cada vez mais exígua) dos diretores de superproduções que têm a sofisticação como uma das ferramentas.

Quinze anos depois, o filme que tornou Celine Dion conhecidíssima (como esquecer os irritantes versos “Yoooooou’re heeeeere, there’s noooooooothing I feeeeear”?) volta aos cinemas e convertido em 3D. Vê-lo em Imax, tal qual foi exibido na sessão para a imprensa, me parece o modo adequado de vivenciá-lo, ainda mais para quem cresceu vendo-o na telinha.

Vamos direto ao que interessa: Titanic é um baita filme! Que Cameron é regente do espetáculo já ficou comprovado pelo o que ele viria a fazer depois. O que a revisão do filme relembra é que, diferentemente de um Michael Bay, ele domina a gramática cinematográfica. Observado com o conforto da distância, é possível dizer com folga que Titanic é um show de trânsito entre gêneros e reflete uma consciência total da tradição do cinema americano.

Como não classificar senão de domínio de realização o plano à Ingrid Bergman de Kate Winslet quando ela nos é apresentada na fase jovem, numa leve contra-plongeè, tendo parte do rosto coberto por um chapéu azul? Ou do plano da própria Rose, sua personagem, num registro quase autista, observando na mesa ao lado uma jovem mãe ensinando à sua filha os “bons modos” do empombocado haut monde, uma espécie de flash-forward? E a sua mão contra o vidro na derradeira noite de amor? O que é isso senão o uso preciso da gramática do cinema clássico americano?

Todavia, o que ficou na nossa memória com o passar dos anos é mais a segunda parte de Titanic, quando Cameron passa a nos entregar um filme-catástrofe após mais de uma hora transitando entre romance, ficção científica (o “prólogo da redescoberta dos restos submergidos do navio à Avatar), drama e comédia de costumes (especialmente no tom crítico do jeito mulambento de Jack, o rapaz que ganhou suas passagens para o grande navio numa rodada de pôquer). Das inúmeras reprises na televisão ou para quem decidiu redescobrir o filme nas locadoras, ficou o ar de superprodução, da computação gráfica, do navio rachado se espatifando contra o congelante mar.

Mas é preciso relembrar que, além do filme-catástrofe e ultratecnológico, que todos nós sabemos que Cameron faz bem, existe um cineasta também sabe fazer o resto muito bem: apresentação e desenvolvimento dos personagens, arquétipos que garantem empatia/antipatia, construção e chegada ao clímax, subtramas, dramaturgia adequada aos vários gêneros dentro do filme, roteiro de aventura – pois no meio do filme-catástrofe há uma jornada constante de Jack e Rose de subida ao convés, aproximação da escapatória e volta ao começo na parte debaixo do navio, tendo de superar os desafios sempre no limite.

Em Titanic, a câmera é classuda quando preciso, mas não se avexa de pousar num ombro trôpego. Quanto busca-se o fluxo, ela transita de um ator a outro, dançando com os corpos. Já na hora que a compreensão do espectador é imprescindível, recorre ao plano/contraplano. Até mesmo os exageros da música parecem ter sido planejados, tanto que ela volta para os trilhos da sutileza quando a realização assim deseja.

Os enquadramentos – que, repito, foram subvalorizados com o passar dos anos por conta da parte megalomaníaca do filme –, refletem não só a já citada consciência do passado do cinema americano, mas também de outras cinematografias. O movimento agressivo e mecânico das turbinas do grande navio ora nos lembra de Metrópolis, ora de Encouraçado Potemkin. Há, por exemplo, toda uma subtrama de luta de classes da organização vertical do navio, o que permite dialogar tanto com o “mundo de baixo” do filme de Fritz Lang com a revolta dos oprimidos em Eisenstein.

Hoje, quando vejo espectadores piamente acreditando que Transformers é o máximo do espetáculo e críticos justificando que o filme dos robôs “pelo menos tem bons efeitos eespeciais”, sinceramente tenho vontade de, para dizer o mínimo, mandá-los assistir a Titanic umas dez vezes.

Ah, para não dizer que não falei das flores, o Imax é muito bem-vindo para o filme (a mixagem de som é maravilhosa), além da interessante alteração da janela do filme pós-conversão (de 2.35:1 para 1.44:1). O peso do 3D fica explícito quando a câmera no nível da água após a quebra do navio, com centenas de corpos moribundos boiando no oceano. Um dos mais bonitos planos cadavéricos do cinema.

Heitor Augusto

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