Pina
Pina 3D (Pina, 2011), de Wim Wenders
Pina 3D, o filme de Wim Wenders com e sobre a lendária coreógrafa Pina Bausch, propõe uma outra experiência estética de vivência da dança. O protagonista dessa proposta é o 3D, que alimenta a ambição desse filme em dar uma contribuição para experienciar a dança (e Pina). Wenders faz um documentário que busca estar à altura dos sentimentos provocados pelo legado de Pina.
Nos trabalhos da coreógrafa alemã, que morreu em 2009 às vésperas das filmagens de Pina 3D, o corpo é veículo de discurso, portador do desafiador privilégio de substituir a palavra. É ele o suporte e a narrativa, a alma do Teatro-Dança de Pina. Por conta da própria morte de coreógrafa, que quase demoveu Wenders da ideia de continuar o projeto, o longa se estabelece em três eixos: a filmagem e articulação conjunta de quatro espetáculos diferentes (Café Müller, Le Sacre du printemps, Vollmond e Kontakthof); breves solos com intervenções dos dançarinos em espaços públicos de Berlim, representando com o corpo sentimentos como beleza, raiva, confiança etc; depoimentos dos membros da companhia de Pina sobre trabalhar com ela (de tão emocionados, alguns sequer conseguem se expressar com palavras, preferindo o silêncio).
Pina 3D é obviamente um filme belo e sensível, bonito de se ver e um acontecimento diferente no cinema. Representa quase um ato subversivo o assalto o status de commoditie que o 3D ganhou no mercado e recolocá-lo como mais um elemento narrativo a serviço do processo, não da exaustão da imagem. Um gesto que se assemelha com o de Werner Herzog ao dirigir Caverna dos Sonhos Esquecidos.
Mas há um ruído entre a experiência do cinema e a do teatro. No palco, o desenvolvimento do tempo é contínuo e o espaço fixo. Quem “edita” o que olhar e como olhar é o público: cabe a ele escolher que componente prefere priorizar ou qual detalhe vai ignorar. Já no cinema, que basicamente é organização espaço-tempo, o papo é outro. É a câmera que decupa, enquadra e suprime o tempo, criando significados a partir disso.
Em Pina 3D, o frescor de um outro olhar para a dança vem acompanhado de um desconforto nas interrupções, especialmente no eixo dos quatro espetáculos filmados e agrupados. Quando determinada cena começa a crescer e o espectador organiza o olhar para a ação, o filme troca o enquadramento, corta para uma sequência diferente ou vai para uma entrevista. O fruição do espectador frente ao teatro-dança de Pina Bausch é interrompida por quem tem o direito de priorizar o olhar no cinema, a direção.
Esse ruído de uma linguagem para outra não é necessariamente incompetência desse filme. Tenho certeza de que o que Wenders faz com esse documentário é o máximo onde o cinema poderia chegar como tributo à dança e à Pina. Mas essa experiência é insatisfatória, ao menos para mim. Saí do filme feliz com o tributo a uma linguagem e sua expoente, mas profundamente irritado com os cortes, interrupções ou mudanças de enquadramento que prejudicaram a minha fruição. Fiquei com vontade algumas vezes de pegar Wenders pelo pescoço e implorá-lo encarecidamente para parar de trocar o enquadramento enquanto eu estava me deliciando do jeito que estava antes.
Mas essa é uma equação de produto inteiramente subjetivo. Na minha relação com o filme, as interrupções dividem o afeto com a textura que o 3D dá e a percepção que enquadramentos cinematográficos propiciam ao conjunto ou a detalhes do teatro-dança. Para outro espectador, os ruídos talvez sejam não mais que detalhes insignificantes frente à dimensão sensorial do filme.
O que sinto é que a experiência com Pina 3D só chega ao cume quando o filme leva os dançarinos para as ruas de Berlim ou espaços fora do teatro, deixando-os à mercê de uma encenação conduzida exclusivamente para a câmera. São números de curta duração que representam sentimentos, trechos que só encontram sentido no cinema já que feitos e pensados para tal.
Nesses momentos, o olhar da direção se unem ao volume do 3D e à dimensão do corpo como veículo de discurso, proporcionando uma experiência cinematográfica completa. Quanto volta para as filmagens da companhia no palco do teatro, o lugar oficial dos dançarinos/atores de Pina Bausch, o ruído das duas linguagens volta a ser um incômodo. E assim se segue até o fim do filme, entre lá e cá.
Heitor Augusto
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