Shame
Shame (2011), de Steve McQueen
Shame é o segundo longa-metragem de Steve McQueen e, como Hunger, é estrelado por Michael Fassbender – ator até o momento mais conhecido por sua encarnação do jovem Magneto, em X-Men: Primeira Classe.
Logo na primeira cena, em que Brandon (Fassbender) anda nu por seu sofisticado apartamento, fica-se patente a atenção que McQueen concede à parte da anatomia de Fassbender, que abrange a área entre suas coxas e seu umbigo. E é essa falta de sutileza – mais a respeito do rigor da decupagem do que da exposição dos atores e de seu tema (que, honestamente, se substituído o vício por sexo pelo, digamos, álcool, poderia ser algum ganhador do Oscar dos anos 1930) – que irá provocar nos espectadores sentimentos opostos: haverá, certamente, aqueles que irão consagrar os estudados enquadramentos do cineasta inglês, normalmente executados em longos planos-sequência, bem como nunca irá faltar quem ache tudo (para ficarmos no contexto) uma grande masturbação e, sobre sua proposta “minimalista”, um teste conclusivo ao final do tratamento contra a hiperatividade.
Independentemente do lado em que estejamos, devemos dizer que tanto Hunger quanto Shame (e é sintomático do calculismo de McQueen, como ambos os títulos serviriam aos propósitos de qualquer um dos dois filmes) buscam uma saudação virtuosa do flagelo, onde a punição emerge pela necessidade cênica do diretor, e não por alguma sensibilidade em reparar nossas atividades refletidas em seus personagens. Daí, a principal razão de qualquer comparação com Robert Bresson surgir descabida.
O que McQueen quer, e isso me parece claro, é provocar. No entanto, seus “modelos” (para retornarmos novamente à negação da comparação com o grande cineasta francês) são personagens isentos de nuances, até mesmo Sissy (Carey Mulligan), a irmã de Brandon, que chega para desalinhar sua vida depravada. De princípio, podemos encontrar, no relacionamento entre os dois, qualquer vestígio de emoção. No entanto, logo nos vemos às voltas com a horizontalidade de suas existências: ela, uma cantora de talento em início de carreira, com tendências suicidas; ele, bem, um viciado em sexo em crise de consciência.
Não que Shame resulte sem interesse, e é fácil de percebermos o talento por trás de toda essa tipologia do mal-estar, quando, em três momentos, o rígido esquema talhado por McQueen parece, particularmente, bem empregado: 1) a releitura melancólica de New York, New York, interpretada por Sissy, em um bar de Manhattan, em que planos fechados dela, no palco, e dele, na mesa, os aproximam; 2) o jantar de Brandon com uma colega de trabalho, onde uma tentativa de relacionamento emotivo parece se esboçar; e 3) no momento em que Sissy senta no sofá, ao lado do irmão, para conversar sobre a importância mútua do relacionamento entre eles, com Félix, o Gato, passando na televisão à frente.
Estas são suas três sequências vitais (formadas por longos planos, como não poderia deixar de ser), em que o desmesurado apelo à distinção sexual do resto afigura-se apaziguado, e os personagens parecem surgir para além de suas predestinações, podendo, enfim, nos fazer sentir qualquer coisa de real. Infelizmente, um por um, o resultado recai sob o mesmo tom etéreo e falto do conjunto: após sair do bar, a irmã acaba por fazer sexo com o patrão de Brandon, em sua própria cama; em um novo encontro com sua colega, o torturado personagem não consegue excitar-se, imediatamente convocando os serviços de uma prostituta para provar a si mesmo viril; e sua conversa com a irmã acaba aos gritos, culminando com sua descida ao inferno da promiscuidade e com a tentativa de suicídio de Sissy.
Com Hunger, Shame forma um díptico sobre devoção e desgosto. Em ambos os casos, doentio, superficial e (pior das depreciações para um cineasta como McQueen) nada provocador, apenas vazio e aborrecido.
Bruno Cursini
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