ABC Coppola
Sempre que penso em fazer um ABC destes, como os que fiz para a extinta Paisà, esqueço de como é difícil preencher os verbetes das letras Q e X. Difícil também é escolher o que entra em cada uma das ditas letras fáceis.
Desafio completado, para o bem ou para o mal, serve como um pequeno guia do universo de Francis Ford Coppola.
Boa viagem pelo alfabeto desse grande diretor.
A – Al Pacino
O ator fez nada menos que o principal personagem da trilogia Poderoso Chefão, Michael Corleone. Do primeiro da série para o estrelato foi um pequeno passo, confirmado em filmes como Sérpico (Sidney Lumet, 1973) e Um Dia de Cão (Lumet, 1975).
B – Beijo
Na Trilogia O Poderoso Chefão, alguns beijos são marcantes. Os principais são três. Os que são dados na mão do novo Don ao final da primeira parte, o que abre a segunda parte, igualmente na mão do novo Don, após o qual vemos os olhos de Pacino marejados pelo aprisionamento em um destino do qual ele queria fugir, e o beijo dado no irmão Fredo, acompanhado das palavras tocantes: “You broke my heart”.
C – Corman
O produtor Roger Corman é um dos principais responsáveis pela gestação da Nova Hollywood. Muitos dos jovens diretores americanos que começaram nos anos 60 passaram por ele, e de todos, Coppola foi o que mais se distanciou, graças à sua mania de grandeza.
D – Dean Tavoularis
É o diretor de arte que melhor se identificou com o imaginário de Coppola (com quem começou a trabalhar em O Poderoso Chefão). Com Tavoularis, o cineasta pode viajar na imaginação ou ser sóbrio. É o profissional ideal para qualquer artista. Entre seus trabalhos que merecem destaque estão a trilogia O Poderoso Chefão, O Fundo do Coração e Tucker.
E – Emilio Esteves
O ator despontou para a fama graças a um papel importante em Vidas Sem Rumo (1983), filme que revelou outros jovens atores de talento como C.Thomas Howell, Ralph Macchio, Rob Lowe, Tom Cruise e Matt Dillon.
F – Família
Coppola desenvolve o tema familiar em quase todos os seus filmes, a começar por Caminhos Mal Traçados e O Poderoso Chefão. Além disso, gosta de trabalhar com os mais próximos: o pai Carmine Coppola, o filho Gio (que faleceu durante a filmagem de Jardins de Pedra), a filha Sofia (que podemos ver crescendo em seus filmes) e até o sobrinho Nicolas Cage (em O Selvagem da Motocicleta, Cotton Club e Peggy Sue).
G – Gordon Willis
Diretor de fotografia da série O Poderoso Chefão, tornar-se-ia o principal parceiro visual de Woody Allen, de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa a Rosa Púrpura do Cairo. Como Coppola, Willis não tinha um currículo que impressionasse em 1972, mas se tornou uma das principais forças criativas da trilogia.
H – História americana
A História está presente na maior parte dos filmes de Coppola, não só na óbvia trilogia Godfather. Existe sobretudo o Vietnã de Apocalipse Now e Jardins de Pedra, mas também os EUA dos anos 40 em Tucker, dos anos 20 e 30 em Cotton Club, ou dos anos 60 em Peggy Sue e Vidas Sem Rumo.
I – Independência
Coppola sempre prezou sua independência. Montou a Zoetrope em São Francisco para ficar longe de Hollywood, mas perto o suficiente para garantir algumas parcerias estratégicas. Envolveu-se com a trilogia Godfather, mas o que queria mesmo era fazer filmes livres como Caminhos Mal Traçados e A Conversação.
J – Jeff Bridges
Fez apenas um filme com Coppola, mas que filme. Como o personagem título de Tucker – Um Homem e Seu Sonho, Bridges tem uma das maiores interpretações em sua brilhante carreira.
K – Kurtz
Um dos personagens mais marcantes de toda a carreira de Coppola é o Coronel Kurtz interpretado por Marlon Brando em Apocalipse Now. Sua presença na tela é curta, mas inesquecível. A cena em que ele joga uma cabeça decepada no colo de Martin Sheen é extremamente perturbadora.
L – Literatura
Mario Puzo, Joseph Conrad, Susan E. Hinton, Bram Stoker… São muitos os escritores que serviram de matéria prima para obras inspiradas de Coppola.
M – Maneirismo
Desde Caminhos Mal Traçados Coppola trilhou o caminho para um maneirismo cinematográfico, que encontraria sua mais clara expressão em alguns filmes do período entre os deslumbrantes Apocalypse Now e Drácula.
N – Nova Hollywood
Coppola, junto com Scorsese, De Palma, Ashby, Friedkin e outros, ajudou a renovar Hollywood no final dos anos 60. Esse grupo de jovens cineastas ficaria conhecido mais tarde como a Nova Hollywood. O colapso se iniciaria com a chegada dos blockbusters, dos quais O Poderoso Chefão seria a primeira encarnação (seguida por Tubarão e Star Wars).
O – Outsider (s)
The Outsiders (Vidas Sem Rumo, no Brasil) é um dos grandes filmes de Coppola. Mas o próprio diretor tornou-se um outsider no cinema americano com a falência de sua produtora, a Zoetrope. Tudo começou com os excessos de Apocalypse Now, mas Coppola tinha ficado milionário graças aos Chefões, e de certa forma Apocalypse ainda deu retorno. Com O Fundo do Coração, novo orçamento transbordante, a coisa ficou irreversível, e Coppola se endividou por todo o restante da década de 80.
P – Poder
Coppola foi um dos diretores que mais se embriagaram com o poder. Após os dois Oscars conquistados com O Poderoso Chefão I e II, ninguém mais conseguia contê-lo, o que gerou todos os excessos de Apocalypse Now. Como se não bastasse, o filme seguinte seria o igualmente excessivo (e igualmente belo) O Fundo do Coração.
Q – Quadro
Coppola, como todo bom cineasta, tem uma preocupação especial com o quadro, com o que o espaço delimitado da tela pode nos mostrar, e o que ele esconde. Na fase maneirista isto fica mais evidente ainda, mas já era perceptível em O Poderoso Chefão I e II.
R – Robert Duvall
Além de ser o consigliere da família Corleone nas duas primeiras partes, Duvall interpretou também o coronel maluco e surfista de Apocalipse Now, que adora o cheiro de Napalm pela manhã, e antes havia vivido o guarda que se envolve com Shirley Knight em Caminhos Mal Traçados.
S - Stephen H. Burum
Diretor de fotografia fundamental para a atmosfera onírica e maneirista dos Coppolas baseados em Susan E.Hinton, Vidas Sem Rumo e O Selvagem da Motocicleta. Teve uma parceria marcante com Brian De Palma, nos anos 1980.
T – Tucker/Tetro
Talvez seja picaretagem colocar o nome de um filme neste ABC, então já coloco dois de uma vez. E dois que são também nome de personagens. Tucker merece toda a publicidade possível por tratar-se de um filme ainda injustiçado. Após esse filme magnífico, Coppola dirigiria Vida Sem Zoe, episódio para Contos de Nova York, e logo depois, O Poderoso Chefão III. Tetro é ainda seu filme mais recente a estrear comercialmente, e o melhor que realizou desde Drácula.
U – Utopia
A utopia de Coppola é a ideia de autoria e independência, por intermédio de sua produtora, a Zoetrope. Com o fracasso de O Fundo do Coração, filme caríssimo que levou a produtora à falência, o outrora milionário Coppola passou a realizar filmes de encomenda.
V – Vietnã
Apocalypse Now: O Vietnã de Coppola é febril, um lugar em que cabeças são cortadas porque não há um real motivo para que não sejam, e que pode abrigar um coronel tomado de loucura. Ou seria de hiper lucidez? O Vietnã é revisitado no bem mais sóbrio Jardins de Pedra, oito anos depois da loucura de Apocalypse Now.
W – Watergate
O escândalo de Watergate que causou uma fissura moral na sociedade americana encontra sua materialização cinematográfica perfeita e instantânea na obra-prima A Conversação.
X – Xintoísmo
Coppola estudou teatro japonês por muitos anos. Segundo a pesquisadora da Unicamp Ângela Nagai, o teatro japonês tem suas raízes na mitologia xintoísta, segundo a qual uma deusa dançou na frente de uma caverna, alegrando os deuses e provocando a saída de outra deusa, a da luz e do sol.
Y – Youth Without Youth
O filme que marca a volta de Coppola ao cinema depois de dez anos está incompreensivelmente inédito no Brasil.
Z – Zoetrope
É a famosa produtora criada por Coppola no fim dos anos 60. Sua sede era em São Francisco, longe o suficiente para não ser pressionado por executivos de Hollywood, perto o suficiente para conseguir ajudas estratégicas quando era preciso.
Sérgio Alpendre
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