Drive
Drive (2011), de Nicolas Winding Refn
Quando indagado a respeito da atividade exercida, o anti-herói sem nome de Drive (interpretado por Ryan Gosling) responde sem pestanejar: “eu dirijo”. É mesmo necessário que as condições de trabalho estejam muito bem postas desde o início. A certeza do Piloto – alcunha que vai servir como referência para o personagem no filme – de que dirigir é a sua única função descarta a possibilidade de um contato mais profundo com as pessoas à sua volta. Basta que ele tenha o pleno domínio do carro nas mais diversas ocasiões, seja servindo como dublê profissional ou ajudando assaltantes a fugir da polícia.
Em Taxi Driver, o protagonista Travis Bickle (vivido por Robert De Niro) tinha o luxo de possuir um nome. Dentro de sua paranoia urbana, acreditava-se um herói, um paladino destinado a salvar a prostituta mirim Iris (Jodie Foster). Não passava de uma figura marginal tentando encontrar uma razão de existir em meio ao vazio diurno e ao terror noturno. Já em Drive, não existe necessidade do personagem de Ryan Gosling ter um nome. Se ele tem um passado semelhante ao do veterano do Vietnã Travis Bickle, o público não fica sabendo. Não importa, na verdade. Só o que interessa é a função que Gosling exercerá no filme. Ele se alinha à tradição de outros formidáveis ases do volante, como James Taylor em Corrida Sem Fim (Monte Hellman, 1971) e Ryan O’Neal em Caçador de Morte (Walter Hill, 1978). Seres sem nome próprio, que aparecem na tela exercendo a tarefa que lhes é determinada, nada mais do que isso. Qualquer mudança nessa lógica, acarretará conflitos.
E o Piloto vai se desviar do caminho que lhe é seguro ao se apaixonar por Irene (Carey Mulligan) e se intrometer em sua vida. Ao tentar ajudar Standard (Oscar Isaac), o marido de Irene, a saldar uma dívida com a bandidagem, iniciará uma reação em cadeia que o colocará diante de criminosos como Bernie Rose (Albert Brooks) e Nino (Ron Pealrman). Esse ato de altruismo o levará por caminhos violentos e inesperados, ao longo dos quais deverá usar todas as ferramentas que tiver à mão, podendo ser o seu veículo ou mesmo um martelo. De fato, a relação do Piloto e de Irene pode corresponder à devoção de um herói medieval para com a donzela amada, num misto de ternura e castidade. Ao mesmo tempo, o diretor não se perde em meio a brutais sequências filmadas, tendo o cuidado para que elas se fixem na nossa mente. A violência, então, cobrará seu preço, e o herói precisará seguir em frente, cumprindo o papel que lhe é cabido.
O diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn, cineasta cinéfilo, porém mais discreto do que Tarantino e as crias de sua geração, em entrevista revelou ter concebido Drive (baseado em livro de John Sallis) como um moderno conto-de-fadas ao estilo noir moderno, cujas tinturas visuais vêm notoriamente de obras oitentistas de Michael Mann, Walter Hill e David Lynch. Com relação a este último, Refn já havia flertado com o universo perturbador do criador de Twin Peaks no suspense Medo X (2003), seu primeiro longa falado em língua inglesa.
Leandro Cesar Caraça
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