Ano VII

Pixies

quinta-feira mar 8, 2012

Da esq. para a dir.: Joey Santiago, Kim Deal, Black Francis, David Lovering

Meu primeiro contato com os Pixies foi com uma crítica na extinta Revista Bizz. Naquela época, já era um viciado por cultura pop. Um aficionado por música e cinema.  Não era tempo de internet. Tudo era demorado, difícil de conseguir. O ano era 1988. Tinha 16 anos. Fazia já vídeos experimentais – brincadeiras de jovem adulto – e tinha uma banda punk. Toda a minha mesada, e o dinheiro que ganhava de um fanzine que escrevia sobre cinema, eram gastos com aluguel de VHS, compra de vinis e idas ao cinema. A crítica falava de uma banda que fazia algo diferente e que provavelmente iria revolucionar a música nos próximos anos. Existia uma loja no bairro de Ipanema, a Spider, que começava a vender CD´s importados no Rio e algumas lojas que vendiam vinis alternativos nacionais. Mas eram poucas. Lembro-me com emoção, ao ver os lançamentos do selo brasileiro Stiletto, lançando no Brasil bandas como Cocteau Twins, The Fall, Felt e The Pixies – algo que me lembra a própria Lume nos dias de hoje – um escape da música e do cinema meramente comercial, uma procura por algo novo. Esse sentimento é o que me motiva até hoje, na busca incessante por bandas desconhecidas e cineastas malditos e novos. Foi uma época de descobertas, como sempre é a época dos adolescentes, mas recordando hoje, além de experiências em todos os campos psicológicos e artísticos, para mim, foi também o tempo de uma formação profunda no meu ser. E isso se deve tremendamente ao som dos Pixies. Banda com som sujo, rebelde, um pós Husker Du, que podia equilibrar com candura o som nervoso do punk, melodias pops, linhas vocais que se dividiam entre o vocalista (Frank Black) e a baixista (Kim Deal), hoje tão comuns, mas nunca como as que os Pixies fizeram. O som da banda pode ser descrito como pop bizarro, rock indie ou simplesmente o som do The Pixies. Porque eles revolucionaram a música. Criaram algo dificílimo: um gênero musical. Idolatrados hoje por grande parte das bandas novas e críticos, na época, eram apenas uma genial banda alternativa pouco conhecida, mas já incrivelmente amada pelos seus fãs. Fui um dos privilegiados que soube, talvez por sorte, acompanhar naquele momento, o crescimento e desenvolvimento dessa genialidade musical chamada The Pixies.

Por Frederico Machado

Come on Pilgrim (1987)

Conheci somente o primeiro disco dos The Pixies, quando foi lançada uma edição americana especial em CD contendo o segundo álbum da banda – Surfer Rosa – e como bônus este EP, mas que é considerado pela própria banda como seu primeiro álbum. Já idolatrava a banda, o que pode ter influenciado muito minha percepção. Mas ouvindo novamente nos dias de hoje, realmente desde esse início a banda já mostrava a que veio. Os componentes do Pixies se conheceram na faculdade de Massachussets em Boston. E esse disco, feito ainda quando estavam na faculdade deve ter surpreendido a todos. Frank Black, vocalista, guitarrista e compositor da maioria das letras do Pixies, já estavam com todas suas obsessões soltas. Estudante de arqueologia, suas letras falavam de morte, surrealismo, decapitação (nome dado para minha banda punk da época – Decapitados – se deveu a isso), sexo e já tinham uma aura mágica e estranha, como já demonstrava a capa do disco, a foto de um homem nu de costas, cheio de pelos. Além das letras, já surpreendiam também pelas composições que variavam entre a mera composição punk – “La Isla bonita” – e o rebuscamento musical e as tentativas de se criar o pop perfeito – como a faixa que abre a álbum: “Caribou”. Kim Deal, que assinava ainda Mrs. John Murphy, já dedilhava seu baixo com delicadeza e feminilidade. Um latino, Joey Santiago, tocava guitarra com personalidade. Na bateria, o lado surf music da banda, o tranquilo e divertido David Lovering, com quem tive a chance de conversar em Curitiba, após um show da banda. É um álbum direto, forte e rápido. Apenas 8 canções, mas que revelam, e muito, a estrutura musical da banda e a força das composições de Black, e principalmente, o que viria a seguir para a história do rock. Destaques: Caribou,  Ninrod´s Son e Ed is Dead.

Surfer Rosa (1988)

A primeira obra-prima da banda. Sujo, angustiado, cheio de imperfeições e por isso mesmo genial, verdadeiro. Muito disso se deve ao produtor Steve Albini, é verdade, conhecido na época por ser um dos grandes produtores de rock sujo do mundo. Mas há de se reconhecer o poder extremo da banda, que se arriscava sem pudor em letras escatológicas, cheias de duplo sentido, surreais. “Where´s My Mind” é música fundamental para se entender a cultura pop do final dos anos 80. Usada na trilha do filme Clube da Luta, durante toda a sequência final do longa, é obrigatória em todas as aulas sobre música do século passado. Além disso, Surfer Rosa (nome do disco veio de uma amiga de Frank Black, uma surfista chamada Rosa), tem um punhado de canções emblemáticas hoje em dia. A aura do disco é o punk. “Cactus” (nome de meu fanzine realizado no início dos anos 90, mais uma vez, devido a uma música da banda), “Bone Machine”, “River Euphrates”, “Broken Face”, todas com dinâmica punk, mas diferente das canções políticas e sociais do gênero, falavam mais de sentimentos abstratos como dor, morte e loucura. Sangue e sexo percorrem todo o disco. Não é um disco fácil. Algumas intervenções de conversas, distorções, microfonias, na verdade, brincadeiras do produtor Steve Albini, recheiam o álbum e fazem do disco algo mais pessoal e muito menos mercadológico. Começando pela capa, onde mostra uma bela mulher com os seios à mostra – que junto com a música estranha, elevava minha mente para outros campos – se é que me entendem… Misto de loucura, prazer, dor, solidão e sexo, é um álbum que me acompanhou por uns dois anos com paixão. Ouvia o vinil quase todo dia durante meus 16 anos, em uma quitinete do Rio de Janeiro, onde já morava sozinho. E a prova da sanidade que é a música da banda: não fiquei perturbado e me fez crescer como nenhum curso de arte poderia fazer. Destaques: Where´s My  Mind?, Bone Machine, River Euphates e Gigantic.

Doolittle (1989)

O maior sucesso comercial e para muitos o melhor álbum dos Pixies. Aqui, uma música mais poderosa e diferente da outra. Com produção mais limpa, agora a cargo de Gil Norton, que é conhecido como o George Martin da banda, e depois trabalharia com diversos grupos de rock com características mais pop como Foo Fighters, Throwing Muses e muitos outros – Doolitlle (nome dado ao álbum devido ao general inglês Dr. Doolittle, e também ao filme Dr. Doolittle) é considerado um dos álbuns mais perfeitos dos anos 1990. Aqui se tem composições geniais e é o disco que mais explora a musicalidade da banda e versatilidade de seus componentes. Nenhum instrumento se sobrepõe a outro, nem o vocal que continua bruto, rigoroso, desafinado, salta aos ouvidos, apesar de muitas vezes ser gritado. “Here Comes Your Man” (a canção de maior sucesso comercial do grupo), “Monkeys Gone to Heaven (que com sua linha de baixo influenciou diversas bandas), “Hey” (talvez a canção mais fenomenal da banda), “Debaser” (que remete a Luis Buñuel), “Crackity Jones” (rápida, poderosa, clara, irresistível), “Mr.Grieves” (onde é citado Dr. Doolittle e em sua variação musical é contagiante), “Wave of Mutilation” (uma fábula surreal) e “Gouge Away” (simplesmente fechando o álbum de maneira arrebatadora). Como curiosidade a única música cantada por seu baterista, a divertida, “La La La Love You” remetendo novamente, talvez até sem querer, aos Beatles e Ringo Star. “We´re enchained” frase cantada de maneira repetitiva e anestesiante em “Hey”, demonstra o sentimento que os fãs a partir de Doolittle tinham com a banda: estavam completamente presos, algemados pela banda. Como curiosidade, Kurt Cobain, do Nirvana, considera Doolittle o álbum que mais influenciou a criação do já clássico Nevermind. Destaques: difícil quando o álbum todo é fantástico.

Bossanova (1990)

O álbum surf music da banda e o mais pop. Aqui já há uma mudança radical nas letras, na atmosfera, na dinâmica das músicas e no estilo musical. O que era dor, obscuridade, violência, se transforma em ficção-científica, praia, sol. Ecos de um Pixies sujo e raivoso ainda se encontram em “Hang Wire” e “Rock Music”. ” Is She Weird” revela-se sexy e enigmática. A grande qualidade do álbum é a produção limpa, novamente a cargo de Gil Norton. Kim Deal aparece bem menos nos vocais que nos discos anteriores, mostrando que o ego de Black Francis começa a crescer e atrapalhar a banda. A capa demonstra que o que antes era intimista, corpos humanos e de animais, agora é algo maior, mais abrangente: o mundo. O começo do disco, a instrumental “Cecilia Ann”, já aponta o aspecto solar do disco. Atualmente gosto muito do CD, pois no mundo só se fala em download. Os discos são feitos para serem apreciados como um todo, como um filme, como uma obra de arte. Hoje, é tudo menos complexo na verdade. O que para mim é triste e enfadonho. Bossanova retrata uma tentativa de mudança na banda, com grandes momentos (“Velouria”) e momentos que não deram tão certo (“The Happening”). Mas ainda assim é um grande álbum e é considerado pelo próprio Black Francis como o melhor da banda. Destaques: Velouria, Is she weird?, Dig for fire.

Trompe Le Monde (1991)

Disco caótico, realizado já com um ego tamanho do mundo pela banda. Parecem, como o próprio título do disco afirma, brincar e zombar com o mundo. Brigas, confusões, uma superprodução que hoje se revela o egocentrismo claro de seu realizador principal. É quase como se Frank Black (aka Black Francis) assinasse sozinho as músicas e tocasse com uma banda de apoio. Não há quase backing vocal de Kim Deal. Ainda há pérolas, mas a simplicidade, a sujeira, a crueza, que foram características da banda desde sempre, aqui simplesmente desaparecem e o disco se transforma em algo estranho. Ecos de heavy metal, peso, raiva, com temática clara de sci-fi. Mas tudo soa grandioso demais, não há um equilíbrio e temática clara no álbum. Há grandes composições ainda como a emblemática “U-Mass”, a original “Subbacultcha”, a referencial “Alec Eiffel”, a surpreendentemente romântica “Letter to Memphis”. Até a imagem da capa é mais produzida. Muitas referências a filmes, personagens, cultura pop, adolescência. Fechamento de carreira com um sabor mediano, mais devido à trajetória da banda, quase perfeita, do que propriamente por ser um álbum ruim. Destaques: Planet of sound, Head on (cover maravilhosa de uma música de Jesus & Mary Chain), Letter to Memphis.

Death to the Pixies

Coletânea abrangente com o CD 1 contendo somente grandes canções e CD 2 contendo o show bem gravado e ruidoso. Um ótimo disco para começar a conhecer o mundo dessa banda.

————————————————————————————————–

Rumos:

Frank Black seguiu carreira solo, realizando grandes e inúmeros discos com destaque para The Teenager of the Year.

Kim Deal fez o The Breeders onde ganhou sucesso de crítica e, incrivelmente, de público, com a música “Cannonball”, do disco Last Splash.

Os Pixies se reuniram há cerca de 8 anos, onde fizeram uma bem sucedida carreira de shows.  Tive o privilégio de vê-los ao vivo em Curitiba, na Pedreira, onde revivi sonhos e pesadelos que aquelas músicas me passavam. Visceral, amargo, forte, obscuro.  Músicas que levo comigo até hoje, e que são fontes de desejos secretos, roteiros surreais e curiosidades mórbidas.

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br