R.E.M.
Conheci R.E.M. com o clipe de “Can’t Get There From Here”, que passava em algum programa de clipes da época. Logo depois ouvi o LP importado de Document, pouco antes de sair no Brasil, e foi instantâneo: virou uma de minhas bandas oitentistas preferidas.
Esta discografia comentada é uma homenagem à banda que, infelizmente, encerrou suas atividades no final de 2011. Ficam os discos.
Por Sérgio Alpendre
Chronic Town EP (1982) 1/2
Alavancado pela soberba “Wolves Lower” aos píncaros da glória independente, este EP logo estabeleceu o R.E.M., filhotes de Byrds, como queridinhos da crítica americana (logo seria da crítica mundial). Destaques: Wolves Lower, Gardening at Night.
Murmur (1983)
O primeiro LP traz as influências de Byrds e Big Star, que já eram marcantes no EP, acrescidas de algumas das melodias mais belas já surgidas deste lado do Atlântico. Nunca vou esquecer de quando comprei o LP importado, tinindo de novo, logo após o entusiasmo pela descoberta da banda. O disco grudava no plástico, e o primeiro contato com a agulha abriu um novo mundo musical para mim. Este disco é tão especial que provoca momentos emos como o deste textinho. Destaques: Radio Free Europe, Talk About the Passion, Perfect Circle, We Walk.
Reckoning (1984)
Muitos preferem este segundo LP ao primeiro. Dizem que é mais roqueiro, mais direto. Estão certos. Mesmo assim, prefiro Murmur, com seus floreios e melodias bucólicas. Não caberia em Reckoning uma faixa como “We Walk”, a mais estranha e genial de Murmur. Mas gosto muito mais de Reckoning hoje do que quando o conheci, em algum momento do final da dédada de 80. Destaques: Southern Central Rain (I’m Sorry), Pretty Persuasion, Camera, (Don’t Go Back to) Rockville.
Fables of the Reconstruction (1985)
A faixa de abertura, “Feeling Gravitys Pull”, assim como outras no disco, aponta para caminhos que a banda seguiria a partir de Green. Nesse sentido, Fables of the Reconstruction sinaliza uma mudança de sonoridade que iria se completar com a passagem para uma grande gravadora, a Warner, no final dos anos 80. “Maps and Legends”, por outro lado, mostra que em matéria de melodia eles continuam imbatíveis (continuariam por mais uma década, pelo menos). A verdade é que com uma trinca fecha-ópera como a que abre o disco, mais o punhado de canções celestiais que completam a duração do LP, fica difícil não considerar este disco especial. Destaques: Feeling Gravitys Pull, Maps and Legends, Can’t Get There From Here, Green Grow the Rushes.
Life’s Rich Pageant (1986) 1/2
Com novo produtor, Don Gehman, e faixas cortantes como “Begin the Begin”, “These Days”, “Just a Touch” e “Superman”, a banda faz do quarto LP o mais roqueiro de sua discografia. O que não significa que eles deixaram de lado a capacidade de criar melodias de outro mundo, como “Fall on Me”, “What If We Give It Away” e “Swan Swan H.”. Destaques: Begin the Begin, Fall on Me, Swan Swan H., Superman.
Dead Letter Office (1987)
Compilação de covers e raridades, lados B de compactos que formam uma seleção deliciosa de se escutar, desde que deixemos de lado o fato de que eles já fizeram Murmur, Fables of the Reconstruction e que estariam para lançar mais uma obra-prima, poucos meses depois. O fato de ter três covers de Velvet Underground e nenhuma de Byrds é apenas um disfarce. Velvet influenciou meio mundo, mas os padrinhos da banda são mesmo os Byrds. Destaques: Crazy, Toys in the Attic, Femme Fatale.
Document (1987)
Disco sim, disco não, obra-prima no salão. Quando se pensava que eles não tinham como superar Murmur e Fables of Reconstruction, eles lançam Document, sem dúvida um dos dez melhores discos dos anos 80 (talvez um dos cinco). É neste disco de capa hollisframptoniana que a indefinição entre o lado roqueiro e o lado folk rock, pedrinha no sapato do ótimo Life’s Rich Pageant, se resolve. Porque R.E.M. é rock e é folk. E é punk, e pós-punk. Document é também o disco que, com sua imponência, abre caminho para a conquista do mundo, tornada possível com a contratação por uma grande gravadora a partir do disco seguinte. Destaques: Strange, It’s the End of the World as We Know It, Fireplace, Oddfellows Local 151.
Green (1988)
O medo era grande na época. Não faz muito tempo que descobríamos a banda e ela já era “seviciada” por uma grande gravadora. O encanto se quebraria? O lançamento de Green deixou-nos todos aliviados. A única diferença marcante é o lado folk-zeppelliniano (do Led III e IV), presente em faixas como “You Are the Everything”, “The Wrong Child” e “Hairshirt”. Há um lado bubblegum também, que já existia, mas que aqui é mais pronunciado, como prova “Stand”. Destaques: Pop Song 89, Get Up, World Leader Pretend, Orange Crush.
Out of Time (1991)
O segundo disco pela Warner afasta de vez os temores de bundamolização do R.E.M. O que existe, de fato, é uma abertura a um tipo mais grandioso de rock, que seguiria até o disco seguinte. A sonoridade da banda está cada vez mais rebuscada, com orquestrações e produção sensivelmente cara. Tudo no disco reflete sofisticação, até a participação do rapper KRS-One em “Radio Song”. Mas nenhuma faixa representa melhor a sonoridade de Out of Time que “Losing My Religion”, o maior hit do disco (e um dos dois ou três maiores da banda). Ainda assim, não posso deixar de registrar que na época eu achava obra-prima, do nível de Murmur e Document, e reovindo agora me parece um disco menor da banda. Destaques: Losing My Religion, Near Wild Heaven, Texarkana.
Automatic for the People (1992)
É o disco que representou para o R.E.M. o mesmo que Joshua Tree representava para o U2 seis anos antes, ou seja, a conquista do mundo. Os sinais de um exagero messiânico/melancólico são evidentes, o que provocaria um retorno ao som mais direto e visceral em Monster. Mas algumas faixas são impressionantes em sua introspecção, a começar por Drive, uma dessas coisas que nos tiram o chão. Aclamado por muitos como o maior disco já feito pela banda, não chega a tanto, mas até hoje impressiona em seus momentos mais fortes. Destaques: Drive, Everybody Hurts, Ignoreland, Man on the Moon.
Monster (1994)
Quando Monster foi lançado, muitos disseram que o R.E.M. havia se rendido ao grunge. De fato, é o disco mais rock da banda até então. A guitarra está pesada como nunca. É a maneira que eles encontraram para não repetir o altamente bem sucedido Automatic… Não tenho mais dúvidas de que se trata de um bom disco. A tentativa constante de mudar, contudo, não esconde uma certa crise criativa. Destaques: What’s the Frequency, Kenneth?, Crush With Eyeliner, Bang and Blame.
New Adventures in Hi-Fi (1996) 1/2
A faixa “Leave” é um bom sinal da habilidade que a banda tem de testar novas sonoridades sem perder a personalidade. Você ouve no rádio e pensa: é R.E.M., mas está diferente. “Leave” é também a faixa mais longa já gravada por eles, com mais de sete minutos de duração. Este é o disco que os coloca definitivamente nos anos 90, absorvendo as tendências da década e se curvando a um tipo de produção imposta ao rock pelo mercado: com guitarras mais pesadas e balanço levemente dançante. Seu maior defeito é a duração: 65 minutos é muito para um disco que não seja realmente especial. Destaques: E-Bow the Letter, Leave, Electrolite.
Up (1998)
“Airportman” continua a busca por novas sonoridades. Essa busca é o que explica porque a banda se manteve durante muitos anos como a maior do rock segundo a mídia especializada (posto herdado do U2 e passado para o Radiohead no final dos anos 90). Aos diabos com essa mídia. O que nos interessa é a evolução (ou involução) de cada banda em particular. Uma deserção foi marcante: a do baterista Bill Berry. Agora restaram três. O que fazer com isso? Para onde ir? São perguntas que eles tentam responder, ainda meio tateantes, em Up, paradoxalmente um disco mais calmo e introspectivo que os dois anteriores. Destaques: Lotus, Daysleeper, Parakeet.
Reveal (2001)
A influência de Beach Boys que era perceptível em “At My Most Beautiful”, de Up, encontra aqui a sua mais perfeita tradução para o mundo do R.E.M. Reveal é no geral para cima, alto astral, o contrário de seu antecessor. A influência de Beach Boys é clara em “Summer Turns to High”, uma das melhores canções da banda. E os dois maiores sucessos do disco, “Imitation of Life” e, principalmente, “All the Way to Reno” contribuem para o lado melodioso do disco, que é proeminente. Destaques: All the Way to Reno (You’re Gonna Be a Star), Disappear, Summer Turns to High, Imitation of Life.
Around the Sun (2004)
Infelizmente, após um brilhante retorno à forma, chega este que pode ser considerado o pior disco da banda. A tentativa clara é reviver o clima de Reveal, mas algo saiu pela culatra. Talvez porque as performances sejam sem sal, sem vida. As exceções existem para salvar o disco do vexame. Uma delas é a belíssima “Boy in the Well”, com uma melodia como só eles conseguem fazer. Destaques: Final Straw, I Wanted to Be Wrong, Boy in the Well.
R.E.M. Live (2007)
Álbum que registra um show em Dublin, na Irlanda, em 2006. Claro que faltam canções especiais como “We Walk” e “Fall on Me”, mas as mais óbvias estão todas batendo cartão. E a performance é digna da banda.
Accelerate (2008)
R.E.M. no século 21: um no cravo, outro na ferradura. Accelerate é Monster turbinado, e melhorado. Um disco cheio de energia e vigor, como eles não faziam desde os anos 1980. A grande faixa escancara portas é “Man-Sized Wreath”, que tem força, peso e melodia nas medidas certas. Um verdadeiro achado a esta altura do campeonato. E o disco ainda reserva muitas surpresas, como a mais Byrds entre todas as faixas não oitentistas da banda, “Hollow Man”. E se encerra com uma paulada na moleira, “I’m Gonna DJ”, o mais próximo que a banda chegou do hardcore metal. Destaques: Man-Sizes Wreath, Houston, Accelerate, Sing for the Submarine.
Collapse Into Now (2011)
De quando em quando, algum novo disco da banda é saudado como um retorno à sonoridade dos anos 1980. Aconteceu novamente com Collapse Into Now. Mas o que vemos aqui, mais do que esse retorno (sensível apenas em uma ou outra faixa), é uma banda tentando se reencontrar, seguindo as pegadas do excelente Accelerate. Ainda que o disco seja superior a Around the Sun, seu empalidecimento em relação a Reveal e Accelerate é evidente. Mas as repetidas audições revelaram que o disco tem lá seus encantos. Destaques: All the Best, Überlin, Oh My Heart, That Someone is You.
SET LIST dos sonhos
Wolves Lower (Chronic Town EP, 1982)
Talk About the Passion (Murmur, 1983)
We Walk (Murmur, 1983)
(Don’t Go Back To) Rockville (Reckoning, 1984)
Maps and Legends (Fables of the Reconstruction, 1985)
Can’t Get There From Here (Fables of the Reconstruction, 1985)
Fall on Me (Life’s Rich Pageant, 1986)
Crazy (Dead Letter Office, 1987)
Strange (Document, 1987)
It’s the End of the World as We Know It (Document, 1987)
Pop Song 89 (Green, 1988)
Drive (Automatic for the People, 1992)
All the Way to Reno (Reveal, 2002)
Man-Sized Wreath (Accelerate, 2008)
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