Ano VII

Coppola – Anos 90

sexta-feira mar 2, 2012

O Poderoso Chefão III
The Godfather: Part III, 1990

O Poderoso Chefão III é entre os filmes da trilogia o menos bem quisto pelo público e pela crítica. Fala-se muita coisa sobre seu suposto “fracasso” (uma delas, com a qual é difícil concordar, é de que a Sofia Coppola, como filha de Michael Corleone, teria afundado o filme), mas é evidente que as duas causas maiores de sua incompreensão são seu deslocamento de época (é um filme típico dos anos 70, realizado nos pragmáticos e eficientes anos 90) e certo tom desromantizado, já que aqui o gangsterismo arrivista e delinquente dos outros dois filmes é coisa do passado. Agora o crime é ainda mais disseminado na máquina social, porque totalmente institucionalizado (como negócio) e também milenarmente tradicional ( episódio do Vaticano com a máfia).

Não há a grandiloquência da máfia, mas a secura de um mundo corporativo; não há o fiel Tom Hagen (Robert Duvall), mas sim o profissional almofadinha BJ Harrison (George Hamilton); não há a autoridade de Michael, mas a sua absoluta fraqueza. As cenas mais intensas são as que demonstram o gradual desmonte do chefão: sua confissão, seu ataque de diabetes e seu grito inaudito quando da morte da filha. O que sobrou de Michael foi um corpo frágil e um espírito cansado. O Poderoso Chefão III é dos três episódios o mais árduo e seco e continua sendo a única vez na carreira de Coppola em que ele fez um filme que não se lançou a excessos, mas buscou o elementar, o único meio de fazer uma ascese que seja tangível.

Ao invés de se referir à ópera, que é a associação mais natural que se pode fazer aqui, falemos de liturgia. Se nas liturgias religiosas tudo é construído em torno do sacrifício redentor, é importante ver todo o percurso do Poderoso Chefão III como a liturgia de uma missa católica com arrependimento, remissão dos pecados, ação de graças e sacrifício. Se nos dois filmes anteriores tudo se estruturava em torno da liturgia dos poderes e da tradição, aqui os eventos se dão em torno do fim último dessa saga: a queda do mais forte, Michael Corleone, que não tombou assassinado como os seus irmãos, mas morreu velho e sozinho, diferente de seu pai, que faleceu no seio da família.

Francis Vogner dos Reis

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Drácula de Bram Stoker
Dracula, 1992

Winona Ryder se sentia em dívida com Francis Ford Coppola desde que recusara um papel de destaque na terceira parte da trilogia O Poderoso Chefão. O filme fracassara implacavelmente em parte pela desastrosa atuação de Sofia, a inexperiente filha do diretor. Para tentar compensar a falta com o amigo, Winona levou até ele um projeto que lhe pareceu perfeito para o cineasta: o roteiro de uma adaptação de Drácula planejada originalmente para a televisão.

Reputado pelos apressados e desinformados como uma “adaptação fiel” do livro escrito por Bram Stoker em 1896, o filme parece pouco preocupado com essa devoção: é mais uma oportunidade para Coppola declarar seu amor ao cinema artesanal e para citar, aqui e acolá, referências a praticamente todas as versões anteriores da história. Há o vampiro se levantando do caixão como em Nosferatu; o gracejo de “I never drink… wine” de Bela Lugosi na versão de 1931 e os loucos se rebelando no hospício como na refilmagem de 1979. O prólogo que associa o conde vampiro à figura histórica de Vlad Tepes – um cavaleiro cruzado que realmente existiu e que serviu de inspiração ao próprio Stoker para o monstro de seu livro – é uma ideia sagaz e bem resolvida. Justifica-se, ali, por que Drácula é um anticristo e sua aversão à cruz.

Porém, é no aspecto visual que Drácula mais encanta: um cinema gracioso e repleto de trucagens engenhosas que remetem ao cinema apaixonado de Georges Méliès e Jean Cocteau, às vezes chegando às raias da afetação, mas jamais deixando de maravilhar os olhos. Peca pelo excesso, mas é um exagero bem-vindo, pois ainda é um cinema artesanal, orgânico, vivo.

O único problema do filme, se é que podemos tratar assim, é a discutível justificativa para se contar uma história romântica – e a frase de publicidade não deixa dúvida: “o amor nunca morre”. Ao inserir uma trama de reencarnação, que absolutamente não faz parte do livro, Coppola confunde os monstros: o vampiro é apenas imortal; reencarnação é coisa de múmia, de Imhotep e Kharis. Isso se deve em parte à curiosa similaridade do roteiro do Drácula de Coppola com o do telefilme escrito em 1974 por Richard Matheson e protagonizado por Jack Palance. Foi essa produção, dirigida por Dan Curtis, que estabeleceu o conceito do “amor reencarnado”. Matheson sabidamente tem interesse em preceitos do Espiritismo: além de filmes de horror que às vezes tentam explicar fantasmas por meio da parapsicologia (A Casa de Noite Eterna), ele também escreveu histórias de amor que desafiam tempo e espaço (Em Algum Lugar do Passado, Amor Além da Vida).

Coppola não tem essa desculpa doutrinária e resulta incômoda essa opção, mas o espetáculo visual de Drácula parece tão absoluto que poucos parecem realmente preocupados com a essência de seu discurso.

Carlos Primati

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Jack
Idem, 1996

Jack desperta algo que vem mais da natureza do afetivo do que do estético. Existe um quê irresistivelmente charmoso no rosto desamparado de Robin Williams interpretando um menino de 10 anos. Jack é um moleque que faz coisas de moleque, mas com a aparência de um quarentão. Cresce quatro vezes mais rápido que o normal, problema genético que invariavelmente causará desgraça.

Um homem que age como menino. É esse carisma que quebra resistências e atenua o que há de pior no filme: querer se colocar como “cinema das boas intenções” e “filme com mensagem”. Se conseguirmos separar o filme mauricinho do filme sapeca, encontraremos sequências genuinamente divertidas.

Permanecem na memória a turma de garotos atirando bexigas cheias d’água na cabeça das garotas – que para um pré-adolescente não passam de intrusas invadindo o clube do bolinha. Ou a primeira caminhada com a bicicleta. Ou toda a sequência em que Jack tenta fingir-se adulto na boate. Ou a paixão infantil pela professora (não à toa, a então voluptuosa Jennifer Lopez).

São esses pequenos gracejos de Jack no espectador que conseguem quebrar resistências e até tornar menos patéticas as sequências pré-fabricadas para emocionar toda a família. É como disse Chico Fireman numa conversa informal: “Eu acho um filme bem lalalá, mas a ideia é essa, né?”.

Heitor Augusto

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O Homem que Fazia Chover
The Rainmaker, 1997

O último filme de Coppola antes de um hiato de dez anos é uma adaptação de John Grisham sobre o mundo das seguradoras e dos advogados. Ou seja, sobre a sujeira que domina a economia americana e faz com que os poderosos lucrem horrores às custas de desprovidos e inexperientes. O mundo cão dos engravatados, filmado em scope, com contra-plongées wellesianos e elegância, também engravatada.

Há uma subtrama inútil que atrapalha o enredo: o romance entre a personagem de Claire Danes (Kelly), jovem que é constantemente espancada pelo marido, e o de Matt Damon (Rudy), advogado recém admitido na Ordem que tem sua grande chance já no primeiro litígio. A razão dessa subtrama é fazer com que as coisas não sejam tão duras, além de mostrar Claire Danes.

O filme cresce enquanto Deck, o sócio de Rudy, está em cena. Vivido por Danny De Vito, Deck é um advogado que não consegue passar no exame da Ordem, mas carrega consigo a esperteza necessária para driblar os entraves da lei – com a ajuda de seu guru, o advogado trapaceiro Bruiser (Mickey Rourke). Este último é um vigarista de alto escalão gozando de suas férias forçadas (para fugir do F.B.I.) em algum lugar paradisíaco. Ele ajuda os dois advogados azarões a vencer uma causa justa contra uma seguradora poderosíssima, cujo principal advogado, Leo (Jon Voight), demonstra a empáfia de quem está acostumado a vencer na base da intimidação. Trocando em miúdos: dos dois lados a coisa fede, mas torcemos para o lado que fede menos. Nada sutil maneira de dizer que a coisa vai mal, mas dos males, que se escolha o menos pior.

O Homem Que Fazia Chover ainda tem um regalo para os fãs do cinema clássico americano: a presença de Teresa Wright, atriz de A Sombra de Uma Dúvida (um dos melhores Hitchcocks), como uma senhora solitária que aluga um quarto para Rudy.

Sérgio Alpendre

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