Ano VII

Coppola – Anos 60

sexta-feira mar 2, 2012

Os Amantes do Nudismo
Tonight for Sure, 1962

Francis Ford Coppola ainda era um jovem estudante de cinema na Universidade da Califórnia ao lançar o seu primeiro longa-metragem profissional. Tinha somente 23 anos quando dirigiu Os Amantes do Nudismo. Produção erótica pertencente ao ciclo dos nudie cuties (filmes de nudismo), o filme possuía sua origem no curta The Pepper, realizado pelo próprio Coppola, que o transformou em longa após uma oferta de dois produtores.

Com 69 minutos de duração, o roteiro mostra dois personagens determinados a acabar com um show de strip-tease em Las Vegas, primeiro passo numa cruzada moralista. A dupla é formada por Samuel, o minerador, que está enlouquecendo com as visões que tem com garotas nuas, e Benjamin, um tipo meio dândi que prega a moral, mas gosta de espiar mulheres com um binóculo pela janela. Em meio a uma trama pobre e um humor sem graça de desenho animado, a maior virtude do filme vem do seu elenco de belas strippers, em especial a ruiva Marli Renfro, que dois anos antes havia sido dublê de Janet Leigh na famosa cena do chuveiro em Psicose. O filme traz nos créditos os nomes de Jack Hill (fotografia) e Carmine Coppola (trilha sonora), aqui listado como Carmen Coppola.

Os Amantes do Nudismo fracassou em conseguir atrair atenção ou dinheiro, embora Coppola tenha sido logo após, contratado pela mesma produtora para reeditar o filme alemão Mit Eva Fing die Sünde An de Fritz Umgelter, que acabaria se tornando The Bellboy and the Playgirls.

Leandro Cesar Caraça

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Demência 13
Dementia 13, 1963

Demência 13 é “oficialmente” o primeiro filme de Francis Ford Coppola, mas Francis Coppola ainda estava muito longe de ser Francis Ford Coppola em Demência 13. E o filme, que poderia ficar ainda mais esquecido, ou restrito aos apreciadores de filmes B da linha Roger Corman, o produtor, ganhou alguma luz mais pela fama e traço autoral que Coppola construiria depois. Mas o que é Demência 13, além de um cartão de visitas de Coppola à Corman e a indústria cinematográfica norte-americana, apontando que poderia ser, como foi, um senhor cineasta? Existem indícios ou evidências no filme que denotem ali um grande diretor?

Afirmar veementemente que sim ou não, sabendo o final dessa história, não é de forma alguma honesto. Até porque muitos outros diretores estreantes também tinham seu quê de invenção na composição de um plano, na realização de sequências bem estruturadas e montada e nem por isso fizeram sucesso depois. Mas, assumindo a “desonestidade”, pode-se dizer que a primeira sequência do filme, a morte de John no barco, é, sim, de um diretor genial e vale o filme. Tudo nela funciona perfeitamente: os planos com o casal recortado pela noite escura, a luz nos cabelos de Luana Anders, os bons diálogos que em questão de minutos constroem com incrível precisão e economia toda uma situação dramática, e o seu fecho com a personagem se livrando do corpo e do radinho que o marido carregava, com ambos jogados na água com o som do rock que tanto a irritava falhando à medida que este chega ao fundo do lago.

Tamanha coesão nos elementos fílmicos não será observada no restante da narrativa quando o filme trabalhará com muitas informações e de forma atropelada, como é do gênero. E ainda que alguns o comparem a Hitchcock e, sobretudo, a Psicose, filme que Corman queria imitar, devido a um certo clima de suspense e a um psicologismo freudiano que dá conta da maldição que paira sobre a família do filme, o desenvolvimento ligeiro e a precariedade de certos efeitos visuais o aproximam mais – e muito provavelmente colaboraram as condições e rapidez da produção – a outros filmes B do estilo Corman. (Por curiosidade, o 13 de Demência 13 foi acrescentado para diferenciá-lo de Dementia, filme de John Parker de 1955.)

Cesar Zamberlan

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Agora Você É um Homem
You’re A Big Boy Now, 1966

A sequência central deste filme, o primeiro de Coppola para um grande estúdio (e pode-se também dizer, primeiro plenamente regido por sua batuta), é a do protagonista Bernard em sua primeira noite na cidade. Aqui a câmera, bem como o personagem que esta captura, maravilha-se com as ruas, as luzes, os letreiros, os transeuntes; o que faz do momento mágico é o olhar de descoberta compartilhado entre personagem e diretor, ambos experimentando uma sensação de liberdade (dos pais/indústria) e auto-conhecimento.

É nesse momento (cujo sucesso acaba por lhe garantir uma espécie de bis na sequência final) que o fiapo de narrativa (parábola auto-biográfica do momento do realizador, libertando-se da posição de “operário do cinema”) mais se aproxima de seus reais interesses: filmar as ruas de Nova Iorque, inserir seu universo ficcional no seio do mundo que habita. Dessa forma, câmera na mão, trocando o estúdio pelas ruas, figurantes por “passantes”, Coppola abraçava a teoria Godard-Rivettiana de que “todo filme é um documentário (de seus atores, de sua própria feitura)” e juntava-se tardiamente a nouvelle vague e aos cinemas novos. Entregava, enfim, um suposto “filme de autor” aos moldes europeus.

A falta de interesse, por assim dizer, na narrativa bem como a glorificação da tal “liberdade” acabam, porém, revelando-se fatores restritivos, visto que transformam uma outrora “política” em mera questão formal: não há (necessidade de) ruptura, como por exemplo nos filmes franceses do início da década. Falta-lhe um porquê para filmar determinadas cenas, determinados personagens ou movimentos: o formando em cinema (e trata-se aqui de sua tese de conclusão de curso), buscando inspiração nos autores europeus contemporâneos, acaba tropeçando no excesso de referência. Por caminhos tortos, o ímpeto por uma “linguagem própria” só faz afastá-lo da mesma, eivando o filme de academicismo.

É claro que por tratar-se de trabalho de um (futuro) grande cineasta, Agora Você é um Homem tem momentos notáveis, como as supracitadas sequências ou os pequenos números “musicais” no Central Park e de patins pela cidade (cujo formato “videoclipe” e fragmentação espaço-temporal estampam a marca de Richard Lester) ou a primeira noite de Bernard com Barbara, onde a câmera, em closes desorientados, exala o nervosismo em função da inexperiência; sequência que será aprofundada e aprimorada no ano seguinte por Mike Nichols em seu A Primeira Noite de um Homem – um indicador de que, além de valioso estágio de depuração na escalada qualitativa de Coppola, temos aqui uma semente do cinema cujos frutos dominarão a Hollywood dos anos seguintes.

Leandro Schonfelder

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O Caminho do Arco-Íris
Finian’s Rainbow, 1968

Na tentativa de retomada de rédeas de um mercado em erosão, Jack Warner viabilizou a realização de um musical (gênero àquela altura ultrapassado, demodê) por um jovem diretor, visando à conciliação entre as produções dos grandes estúdios de outrora e os diretores egressos das escolas de cinema que tomariam de assalto a Nova Hollywood. Melhor ainda, entregando um filme pomposo (ampliado e distribuído em 70mm, com cartilhas entregues aos espectadores, nos moldes dos grandes épicos) a custos módicos, realidade a qual tais diretores já estavam acostumados. Não custava tentar.

A escolha de um musical da Broadway da década de 40 cujo material talvez fosse um tanto controverso para sua realização cinematográfica na época foi oportuno, uma vez que o momento era de discussão em torno de racismo e direitos civis. O choque entre gerações, porém, deixa marcas visíveis: Coppola encontra-se em um vale onde num pico temos a perfeição na mise-en-scène de um Vincente Minnelli (referência máxima do gênero), noutro a liberdade formal nos recentes filmes musicais de Richard Lester (pensemos aqui, naturalmente, em A Hard Day’s Night e Help!). Quando consegue estabelecer um diálogo entre as partes, o filme funciona, porém a tentativa de lançar um olhar “moderno” sobre a encenação perfeita dos números de Minnelli (aliada a uma natural falta de experiência) resulta em alguns equívocos até crassos, como o corte dos pés de dançarinos em alguns planos.

O grande acerto do filme, bem como o verdadeiro elo entre gerações, porém, está na presença de Fred Astaire. Afastado há uma década dos musicais e já próximo dos 70, Astaire não só mostra o virtuosismo nas pernas de outras épocas como também sente-se à vontade atuando ao lado de uma estrela pop do momento, num visual de inclinação psicodélica, dirigido por técnicas que não estava familiarizado. O filme brilha quando o ator está em cena, e se existe um ponto a ser exaltado na direção (a princípio realizada meio a contragosto – e aqui cabe dizer que a dinâmica entre este e o filme anterior ditou a trajetória de Coppola, um diretor que, aos moldes de um John Ford, buscou a marca autoral sempre operando no centro da indústria) este será o solene clima de homenagem/despedida de Astaire que ilumina cada plano – até a sequência final onde o mesmo caminha em direção ao arco-íris, um belo rito de passagem à eternidade.

Leandro Schonfelder

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Caminhos Mal Traçados
The Rain People, 1969

Lançado em 1969, Caminhos Mal Traçados é, sem dúvida, um produto de seu tempo. Com ele, Coppola dialoga com o cinema europeu (no caso, Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman), numa chave não muito distante daquela de seus compatriotas. Para ficarmos em apenas dois exemplos, Sem Destino foi lançado no mesmo ano e Cada Um Vive Como Quer, no seguinte. Em comum, além de um modelo de produção fora das normas hollywoodianas, eles partem da premissa do abandono do lar para lidar com a possibilidade de libertação do individuo frente à sociedade.

No entanto, o que faz deste – que é normalmente tido como o primeiro trabalho significativo na carreira do diretor –, um filme revelador, é a antecipação do tema da fuga, tão explorado futuramente em seu período mais barroco, nos anos 1980, notadamente em O Fundo do Coração, Vidas Sem Rumo, O Selvagem da Motocicleta e Peggy Sue.

Apesar de sua superfície moderna, em Caminhos Mal Traçados, Coppola nunca de fato se deixa levar por suas digressões – seja ela na forma dos freqüentes flashbacks abruptos, revelando os traumas dos personagens, ou no recorrente descompasso entre os diálogos e a imagem –, optando pela linearidade narrativa e pela simplificação dos personagens masculinos: o marido egoísta, o jogador inepto, o pai insensível, o empregador perverso, o policial violento. Assim, a grande beleza do filme – sua vulnerabilidade, sua incerteza – restringe-se à Natalie (Shirley Knight) que, grávida, deixa sua casa rumo a lugar nenhum.

Dirigindo seu grande carro de família (não uma Harley Davidson ou pegando carona a esmo, em um caminhão), é sua impossibilidade de se desprender de tudo e de todos que traz a Caminhos Mal Traçados sua singularidade: apesar do horizonte pleno à frente, o que vemos é um road movie sufocante e trágico, no qual a efetivação quimérica de uma nova vida cede ao recuo a cada parada.

Bruno Cursini

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