Ano VII

Expedição Tasmânia

sexta-feira fev 24, 2012

 

Bay of Fires

Dois mil e duzentos quilômetros rodados, 14 cidades e um brinde especial com quatro das onze pessoas que viajaram nos primeiros onze dias de 2012. O brinde foi realizado em Hobart, capital da Tasmânia, na última noite de viagem nessa ilha espetacular. Depois do brinde, só nos restou visitar o MONA – Museum of Old and New Art e tomar o avião de volta para Sydney.

 

Mas esse é o fim da história! Vamos acionar o rewind porque há muita coisa a ser contada.

 

 

Depois do festival

1º de janeiro de 2012, cabeça pesada e ressaca… O dia amanheceu e continuamos na cama, recuperando energias após pular por uma hora e meia no show do Babylon Circus. Nosso corpo padecia, mas resolvemos abrir os olhos que teimavam em permanecer fechados e vimos um cenário bem diferente: os trailers foram embora, os carros também; os poucos que ficaram se perdiam no meio de lixo, cadeiras e barracas deixados para trás. Aproveitamos e pegamos alguns objetos que seriam úteis para o resto da viagem: lona, galões de água, uma bola, chapéus… e partimos. Nossa preguiça matinal nos beneficiou, evitando a fila de duas horas para sair do festival, segundo informações da galera da limpeza.

Wineglass Bay - nome sugestivo

Fizemos a rota no GPS e rumamos para o norte, sentido Freycinet National Park, mais de 200 km até Wineglass Bay, citada como uma das dez praias mais lindas do mundo pelo guia de viagem da Frommers. As três horas e meia de viagem mencionadas pelo aparelho se transformaram em cinco. Impossível resistir aos encantos da Tasmania Highway; paramos algumas vezes no caminho para usufruir de uma das principais vantagens de viajar de carro: a liberdade de ver, gostar e estacionar em qualquer lugar. Já eram mais de 19h quando chegamos em Coles Bay, lugar onde passaríamos a noite.

Dormimos quando o sol se pôs e acordamos antes que ele desse o ar da graça. Contemplamos o nascente, tomamos um rápido café da manhã e fomos para a tão aclamada praia. Infraestrutura de primeira, trilha muito bem sinalizada e um visual que não nos decepcionou: cenários de tirar o fôlego. Continuamos descendo e encontramos um wallabie – o primo baixinho dos cangurus. Acostumado com turistas, nosso amigo fazia charme e, sem cerimônias, pedia comida para os visitantes. Na areia confirmamos o que vimos lá de cima, realmente Wineglass Bay merecia um lugar entre as top dez. Demos mais um rolê até a praia vizinha – Hazards – e depois até o Farol de Cape Tourville,  a tempo de avistarmos focas nadando no belo Mar da Tasmânia.  A seguir: churrasco, pôr-do-sol, banho grátis no camping e cama.

No dia seguinte, madrugamos e continuamos nossa expedição rumo ao norte. St. Helens era o nosso destino, mas paramos antes no Elephant Pancake por indicação de um amigo australiano. Panquecas deliciosas, com frutas frescas colhidas nos campos próximos, mas o atendimento…

Chegamos em St. Helens com celulares sem sinal! A solução foi buscar dicas no centro local de informações turísticas. Bay of Fires foi uma preciosa indicação, eleita a praia número um pelo guia Lonely Planet (edição 2009). A cor da água lembrava as praias caribenhas, areia branca, com rochas dividindo as praias e formando diversas baías. Aprovada!

 

Tamar Ridge

 

Cidade fantasma

No dia seguinte, saímos do litoral e seguimos em direção à segunda cidade da Tasmânia, Lauceston. No caminho, planejávamos passar no Blue Lake, nos perdemos e deparamos com Derby, uma cidade em extinção. De cada cinco casas, ao menos três estavam à venda, incluindo o único correio da cidade; poucas pessoas na rua e um ar melancólico dominava o lugar. Refizemos as coordenadas e, após muito tentar, finalmente encontramos o sentido correto para o Lago Azul – a princípio um lugar com carcaças de carros, pegadas de animais e um leito de rio seco; lembrava cenas de Mad Max. Seguindo mais em frente, eis que surge o belo lago acompanhado de um pôr-do-sol que pintava o céu com tons de amarelo, vermelho, azul e lilás.

Ao som de The Doors, tentávamos chegar ao próximo destino, mas a noite trouxe consigo os animais, que cruzavam a pista incessantemente, deixando a viagem perigosa, cansativa e muito mais lenta. A melhor solução foi parar em Scottsdale para descansar e partir novamente de manhã até Lausceston, onde visitamos a reserva The Gorge – um parque apenas bonitinho, com teleférico, um lago, uma ponte suspensa e nada muito empolgante. O melhor do dia ainda estava por vir: as vinícolas no Tamar Valley. Escolhemos a Tamar Ridge, bem recomendada pelo seu Pinot Noir Reserva 2009. No entanto, fomos surpreendidos pelo desconhecido Gewurztraminer, com seu peculiar aroma de lichia, final prolongado e acidez acentuada. Após a degustação, passeamos pelas vinhas: uma paisagem diferente da que tivemos durante o trajeto pela costa leste.

 

Beleza adormecida

No dia seguinte, voltaríamos para as praias, agora no litoral norte da ilha. Antes disso, procuramos refúgio às margens do rio Tamar, em um lugar chamado Gravelly Beach. Na praia, grelhamos um delicioso salmão e tomamos os vinhos que degustamos durante a tarde. À noite, escapamos da estrada, conversamos com algumas pessoas e entendemos um pouco mais sobre esse Estado: o mais belo e o mais pobre da Austrália.

Ateliês na cidade portuária Burnie

O índice de desemprego é o mais alto dentre os oito Estados da Austrália, um lugar de salários baixos e onde as belezas locais são desprezadas; os australianos preferem viajar para o exterior. Conversei com dois mochileiros, um canadense e outro da Coreia do Sul, percebi a dificuldade que eles encontravam para conseguir emprego e prolongar a estadia por aqueles lados. Falei também com um pai apaixonado por futebol que tentava ensinar seu filho como jogar o esporte mais popular do mundo. Por coincidência, ele me falou que sua mulher trabalhava em uma agência de empregos; recebi a promessa de que ele ajudaria os dois viajantes na conquista de um trabalho.

Partimos rumo a outra grande cidade da Tasmânia, Devonport, cidade portuária ligada a Melbourne por balsa e locação de um dos três aeroportos da ilha. Esperávamos encontrar inscrições aborígenes bem conservadas, mas eram decepcionantes, quase não as notamos. A cidade é muito mais um porto de entrada, um lugar para os turistas usarem como ponto de apoio e visitarem outras cidades da região.

Uma cidade que prometia atrações diferentes era a também portuária Burnie. Fomos convencidos a conhecer oThe Makers Workshop, espaço que reúne ateliês de diversos artistas, com foco maior para a indústria do papel, produto historicamente importante para a cidade. Mas foi outra decepção! Nada muito original, ficamos mais interessados nos queijos baratíssimos que eram vendidos na Coffee Shop.

 

A número 1 e o fim do mundo

Praia em Stanley - Lençóis Maranhenses?

Seguindo a contramão do relógio, fomos para Stanley – noroeste da ilha. Dessa vez, a praia não figurava em nenhum guia famoso de viagem, mas, se eu fosse obrigado a hierarquizar os lugares por onde havíamos passado até então, Stanley estaria no topo.  Cidade histórica*, eleita a mais organizada da Austrália em 1997 pela ONG Keep Australia Beautiful.

Chegamos no final da tarde e, com o horário de verão, ainda tivemos tempo para subir no The Nut , incomum formação de rocha vulcânica que leva esse nome por ter o formato de uma porca de parafuso. Lá de cima, vimos o sol no seu caminho até o horizonte, iluminando o mar, que a essa altura lembrava os nossos Lençóis Maranhenses. Lá de cima, a impecável vila de pescadores mais parecia uma maquete. A ausência do sol, somada aos ventos gelados, abriu nosso apetite. Comemos um clássico Fish and Chips em um dos melhores bistrôs – Stanley Hotel - da Austrália, vencedor da edição 2009 do prêmio pela Australian Hotels Association, e arrematamos com crème brûlée e pavlova** de sobremesa.

Gostamos tanto do lugar que alteramos nosso planejamento e resolvemos ficar mais um dia pela região. Conhecemos o simpático Kevin, um homem de mãos calejadas e pele enrugada, sinais que faziam aparentar mais do que seus 69 anos. Enquanto tomava um cappuccino, Kevin disse que teríamos de conhecer Arthur River, apelidado de The Edge of the World (“a borda do mundo”).

Dia nublado, mar mexido, troncos gigantescos caídos entre as pedras e a certeza de que, se seguíssemos sentido oeste em um barco, navegaríamos por mais de 15 mil quilômetros até poder gritar novamente: “Terra à vista!”. Este cenário provocou um desejo de contemplação. Estávamos na borda do mundo, e ainda bem que a Terra é redonda!

Ainda no meio de viagem, mas com o poder de controlar o tempo, eu aperto o pause. Até o próximo texto e o final dessa história…

 

* sempre que falar histórica, volte no tempo apenas até o século 19.

** receita dedicada à bailarina russa Anna Pavlova. A origem do doce – e, assim, da homenagem – é atribuída aos australianos.

 

 

* * *

Marco Estrella é fotógrafo, escritor e mochileiro dos confins.

 

Fale com ele: estrella.marco@gmail.com

E leia o blog: www.circulando.tur.br

 

* * *

Quer ver mais das paisagens tasmanianas? Confira a galeria abaixo, sempre fotos de Marco Estrella. Clique nas fotos para ver tudo em tamanho grande.

Chegada em Coles Bay

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Coles Bay

 

Wallabie, primo do canguru

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Blue Lake

 

 

 

 

 

 

 

Mais Blue Lake

Derby, cidade à venda

 

 

 

 

 

 

 

 

Stanley, a número 1

 

 

 

 

 

 

 

 

Arthur River - "the edge of the world"

 

Mais Arthur River

* * *

Mais Circulando:

- Festival na Tasmânia

- Movember – O mês do bigode

- Tudo junto e misturado

 

 

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br