Entrevista: Monte Hellman
Por Bruno Ghetti
A Revista Interlúdio procurou o diretor Monte Hellman para falar sobre Caminho para o Nada, filme que marca seu retorno à direção de longas depois de um hiato de 21 anos. A pedido do próprio cineasta, a entrevista foi feita por email. Confira abaixo.
Há um intervalo de 21 anos entre seu novo filme e o seu longa-metragem anterior, Noite do Silêncio. Em algumas entrevistas, o senhor disse que não dirigiu nenhum outro longa nesse meio tempo porque “estava esperando por Caminho para o Nada”. Isso quer dizer que já em 1989 o senhor sabia o filme que gostaria de dirigir, mas precisava de tempo (e de dinheiro) para amadurecer o projeto?
Nesse meio tempo, eu estava a todo o tempo trabalhando. Tentei levantar dinheiro para diversos projetos que eu planejava dirigir. Eu seria inicialmente diretor de Cães de Aluguel [1992, dirigido por Quentin Tarantino], mas as coisas tomaram outro rumo, e eu acabei me tornando produtor executivo do filme. Fui contratado para desenvolver o roteiro e dirigir Freaky Deaky [projeto de meados dos anos 90, que seria uma adaptação do romance homônimo de Elmore Leonard], mas a Miramax se decidiu por abandonar o projeto. Trabalhei também em diversos projetos pessoais e dirigi Stanley’s Girlfriend, um segmento do filme em episódios Armadilha do Terror [2006, com os demais segmentos assinados por Joe Dante, Ken Russell, Sean S. Cunningham e John Gaeta]. Ainda nesse espaço de tempo, participei como convidado do júri de diversos festivais de cinema, fui inclusive presidente da mostra Un Certain Regard, em Cannes [em 2006]. Ao mencionar que “estava esperando por Caminho para o Nada”, eu quis dizer que estava aguardando tanto por um projeto inspirador como o do filme como também por um produtor que pudesse garantir os meios que o tornariam uma realidade – no caso, a minha filha, Melissa.
Eu gostaria de saber um pouco mais sobre a gênese dos seus filmes. Geralmente, o que vem primeiro à sua mente que, por fim, acaba ganhando corpo e se tornando um longa? (uma trama? temas que o senhor deseja abordar? imagens que surgem na sua cabeça?)
Para falar a verdade, a gênese da maioria dos meus filmes tem sido alguém me telefonando, dizendo que desejaria que eu dirigisse um tal filme, idealizado por outra pessoa. Também foi assim com Caminho para o Nada, que surgiu de uma ideia do [roteirista] Steven Gaydos. Mas o filme foi pela primeira vez um trabalho cujo processo de produção foi iniciado já por mim, embora a partir da ideia de outra pessoa – não que eu não tivesse tentado fazer isso muitas outras vezes antes na minha carreira… Outros projetos idealizados por mim, mas que não vingaram, surgiram a partir de um roteiro ou de um romance que havia me agradado. Mas todos os filmes que eu consegui terminar sofreram alterações em sua estrutura original, acabaram se tornando meus de fato, geralmente com algum roteirista reescrevendo a maior parte do roteiro, adaptando-o à minha visão e às minhas necessidades.
À primeira vista, Caminho para o Nada tem um estilo que não faz o espectador pensar imediatamente que se trata de um filme do mesmo diretor de, digamos, Corrida sem Fim ou Galo de Briga. Essa mudança de estilo tem alguma relação com o uso da tecnologia (a maior liberdade proporcionada pela câmera digital, por exemplo), ou seria por que o senhor e sua concepção de cinema mudaram, de alguma forma, com os anos?
Acho que evoluí como diretor, mas não mudei radicalmente minha concepção básica de cinema: a de que todos os envolvidos em uma produção fílmica devem estar a serviço do trabalho; que tudo o que chama a atenção para si ou para uma pessoa, como a direção de fotografia, a música, as atuações ou a direção, é destrutivo para o resultado desejado, que nada mais é que a completa imersão do público no filme. Caminho para o Nada pode utilizar uma estrutura de história diferente das de meus filmes antigos, mas eu acredito que o “estilo” do filme é um refinamento do que eu utilizei consistentemente ao longo dos anos, independentemente do conteúdo.
O senhor disse certa vez que o longa é como se fosse o seu primeiro filme e que suas obras anteriores eram como que ensaios. O senhor acha que atingiu uma certa maturidade com o projeto?
Nunca estou satisfeito com nada que faço, mas sinto que este filme chega mais próximo do que eu pretendia do que qualquer outro que já tenha feito. Estou feliz com a minha contribuição, principalmente no papel de catalisador desse processo, mas estou também agradecido pelas grandes contribuições dos atores, diretor de fotografia, figurinistas, compositores, montadores, técnicos, assistentes, produtores e sorte. No que diz respeito a “atingir maturidade”, se com isso você quer saber se o filme me permitiu um reencontro com a criança dentro de mim, a resposta é sim.
Em muitos dos seus filmes, o espectador não dá muita importância a detalhes da intriga porque sabe que eles não são a coisa mais relevante. Mas em Caminho para o Nada, às vezes se tem a impressão de que os detalhes têm mesmo importância, e que até o fim tudo será “explicado” – o que não acontece. Há realmente uma explicação para tudo na trama? (Ou, novamente, os detalhes não são o ponto principal?)
O filme foi feito com a consciência de que vivemos em tempos em que filmes são vistos como livros são lidos. Que os espectadores vão por fim ser capazes de pausar, voltar a uma página/cena anterior e prosseguir no ritmo que eles julgarem ser mais confortável. Cientes disso, [eu e o roteirista] evitamos as armadilhas de ludibriar a plateia com a transmissão de falsas informações. Tudo é revelado, mesmo que lentamente, e tudo é verdadeiro, com exceção do que é destilado pelos olhos do [personagem] Mitchell Haven, o diretor do filme dentro do filme. Enquanto ele desenvolve a história em sua mente, ele pode mostrar diversas variações sobre uma mesma cena. Mas isso não precisa ser – e nem foi essa a intenção – algo confuso, uma vez que a história em si é bastante simples.
O filme é de uma certa forma um estudo sobre como os espectadores se relacionam com o(s) filme(s) que assistem: com o expediente do filme dentro do filme, somos o tempo todo forçados a reavaliar os limites entre o que é “realidade” (diegética) e o que é “apenas um filme”. Essa interpretação corresponde às suas intenções?
Minhas intenções foram e são entreter. Eu nunca pensei na questão “realidade vs. ficção”, pois para mim era tudo ficção, apenas um filme, ou seja, o filme de Mitchell Haven. Eu fui apenas o emissário.
O senhor já está trabalhando em um novo projeto?
Tenho três projetos sobre os quais estou trabalhando no momento. Um deles é um thriller romântico sobrenatural chamado Love or Die. Outro é um novo roteiro de Steven Gaydos, chamado Rattlesnake Shakedown. E há ainda um terceiro, que é uma adapatação também de Gaydos do romance The Man Who Was Not With It, de Herbert Gold.
O senhor conviveu muito com Roger Corman, que foi também um de seus mentores. Qual a lição mais importante que aprendeu com ele?
A principal lição que aprendi com Roger – e que eu procuro ensinar aos meus alunos – é que um filme pode ser feito com qualquer orçamento. Quando começamos a trabalhar em Caminho para o Nada, decidimos que faríamos o filme apenas com o dinheiro que possuíamos. Por fim, nossas ambições superaram nossos meios, e o filme acabou saindo a um valor mais alto que o desejado e que tínhamos à disposição. Mas isso não invalida a lição que aprendi com Roger.
Grande parte dos seus filmes ganhou com o tempo o status de “cult” (alguns já o tinham na época em que foram lançados). Na sua opinião, que aspecto dos seus filmes tem esse grande poder de atrair tantos admiradores empedernidos, principalmente no meio cinéfilo?
Nunca me deu muito prazer ser um cineasta “cult”. Todos os artistas querem algo simples, que é se comunicar, e com o maior número de pessoas possível. Uma pessoa que se torna “cult” é apenas alguém que fracassou nesse sentido.
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