Os Descendentes
Os Descendentes (The Descendants, 2011), de Alexander Payne
Estamos numa temporada superestimada dos filmes concorrentes ao Oscar. Os Descendentes chega às vésperas da premiação como um dos favoritos ao lado de O Artista. Dois filmes bons, mas que nem de perto sustentam o status de grande obras ao qual foram elevados desde que começaram as premiações nos Estados Unidos.
Os Descendentes entra naquele que praticamente se tornou um subgênero: o filme independente norte-americano dos anos 2000. Assim como seus pares, tem uma história de aprendizagem dos personagens, carisma, música contagiante, algumas discretas lacunas para o espectador preencher, boas atuações (com destaque para coadjuvantes que crescem ao longo do filme), enredo universal e direção eficiente – mas que não complica muito a vida de quem assiste.
Isso não significa manter-se cego ao que o filme de Alexander Payne tem de bom, mas observar criticamente que esse tipo de cinema vem repetindo as mesmas convenções do que estaria “à margem” do “cinemão” de Hollywood. Essa produção indie se parece com aquele jogo que brincávamos quando criança, no qual cadeiras eram dispostas em roda e um número de garotos maior que o de assentos disponíveis brigava para sentar.
Os Descendentes divide a repetitiva cadeira cativa ocupada recentemente por Minhas Mães e Meu Pai, Juno, Pequena Miss Sunshine, Sentimento de Culpa, (500) Dias Com Ela, Os Homens que Encaravam Cabras… No meio do caminho, há alguns indies que escapam de algumas convenções do subgênero, como Drive, Vejo Você no Próximo Verão, A Vida Durante a Guerra – a diferença é que esses mais ousados entram na cota do “esquisitinhos que ignoramos”.
No caso do filme de Alexander Payne – que não carrega o peso de dez indicações ao Oscar como O Artista, mas que cravou sua presença nas categorias fundamentais –, troca-se o cenário. O Havaí e a tradição histórica daquelas terras dão ao protagonista Matt King (George Clooney) seu grande dilema: fazer a vontade dos parentes e vender o território para um conglomerado genérico ou manter o território e deixar de ver zilhões de dólares escoando pela sua conta bancária?
A encruzilhada não podia ter surgido em pior momento: sua esposa acaba de sofrer um terrível acidente e se tornou refém da medicina para manter um fiapo de vida.
É nesse turbilhão financeiro e afetivo que Matt sai da sua situação de alienado ao seu entorno para onisciência do que se passa. Não é nem preciso dizer o quão dolorido será esse processo, que o filme prefere amenizar com pitadas cômicas.
É bem verdade também que Os Descendentes tem algumas cenas que, de tão inspiradas, destoam do conjunto mediano. Não dá para deixar de notar o vigor da sequência em que o personagem de Clooney corre em disparada após descobrir uma notícia desoladora. Ou de perceber os comentários que o filme faz sobre o sentimento de pertencer – à uma terra ou à família.
Ao mesmo tempo, também não dá para ignorar como ele é articulado para criar efeitos, seja nas providenciais pausas para o público descontrair e aliviar o drama, seja na colocação dos coadjuvantes, especialmente o amigo maconheiro da filha de Matt.
No desenvolvimento da história, encerra-se com uma lição de moral. Nada mais óbvio do que, após essa jornada, o filme nos entregar um julgamento – a questão não é concordar ou discordar com a postura de Matt, mas na decisão do filme de adotar o atalho mais simples.
Os Descendentes é um filme eficiente e agradável que desfila um rol de lugares-comuns e que genericamente pode ser definido como “delicado filme sobre os dramas do cotidiano”. Aliás, isso é praticamente subgênero do subgênero.
O filme pode até dialogar na empatia e no registro do gosto, o que é obviamente válido e saudável. Mas daí a colocá-lo como um cinema de altíssima qualidade e sofisticação é um mero sofisma.
Heitor Augusto
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