Ano VII

A Separação

segunda-feira jan 23, 2012

A Separação (Jodaeiye Nader az Simin, 2011), de Asghar Farhadi

É intencional o incômodo que A Separação causa. Num enredo em que amarras invisíveis de um casal e a condição da mulher no desenho atual da sociedade iraniana são a força motor, o vencedor do Festival de Berlim de 2011 e do Globo de Melhor Filme em Língua Estrangeira não dá folga ao espectador.

Não é por acidente, então, que o filme não se desenvolva numa crescente linear dos acontecimentos. A Separação é deliberadamente truncado – que não se entenda, porém, isso como um sinônimo de arrastado ou enfadonho.

Os quebra-molas do filme aparecem em vários momentos como forma de negar uma explicação imediatista e simplória dos conflitos humanos. Simim (Leila Hatami) quer sair do Irã e, com isso, deixar para trás o ranço de uma sociedade que limita as liberdades da mulher. Nader (Peyman Moadi) prefere ficar e cuidar do pai doente. Num gesto desesperado, ela pede a separação: quem sabe a ausência não faça o marido mudar de ideia?

Raramente o cinema mostrou a separação de um casal tão complicada como a do filme de Asghar Farhadi, com implicações que fogem da esfera privada. Quando a esposa sai de casa, Nadir contrata uma empregada para limpar as tarefas domésticas e cuidar do pai senil. Começa então uma série de eventos que colocam, sem cerimônias, o que cada um dos personagens pode fazer, independente da classe e do gênero, quando sua própria pele está em jogo.

Cada um deles vive um inferno pessoal que somados são responsáveis justamente por tecer as relações truncadas do filme. Como cobrar uma fluidez hipócrita e explicações baratas quando há tantos interesses conflituosos em jogo? Essa é uma das perguntas que devemos fazer ao filme quando o incômodo com seu ritmo torna-se incontornável.

Nessa jornada rumo ao inferno particular e um caos coletivo que atinge a estrutura do Estado, A Separação estabelece um indireto diálogo com o que Bertold Bretch fizera em 1929 com uma de melhores peças, Santa Joana dos Matadouros. Com um porém: se em Brecht o que comanda é o “bate-boca de classes”, como define Roberto Schwarz, para Farhadi há também o bate-boca de gênero, da Justiça, do relacionamento. É um pouco exagerado, mas não equivocado, definir A Separação como um extenso bate-boca em diversos níveis.

Simim e Nader batem boca: ele não assumiria responsabilidades, ela seria a causadora de todo o conflito. Nader e a empregada batem boca: ele seria um criminosa, ela, uma irresponsável; o marido da empregada bate-boca com o juiz, que estaria se deixando influenciar pela melhor condição financeira do acusado.

Em nenhum dos níveis há diálogo. Entendimento e compreensão é uma palavra que passa longe de A Separação. Mas talvez esteja justamente aí a força do filme: não se trata de um problema apenas das relações pessoais, mas da própria sociedade iraniana contemporânea.

Heitor Augusto

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