Ano VII

Quinta avenida, 5 da manhã

quinta-feira jan 19, 2012

Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards

Quinta Avenida, 5 da Manhã

Por Heitor Augusto

Sam Wasson é bom de prosa. Muito por conta da sua habilidade rítmica como escritor, preservada pelo ótimo trabalho do tradutor da versão brasileira José Rubens Siqueira, Quinta Avenida, 5 da Manhã é, por vezes, mais interessante do que seu objeto de estudo, o filme Bonequinha de Luxo.
Wasson recria uma história com certa liberdade de interpretação, o que resulta em menos amarras no estilo da escrita e na estrutura do livro. Recua-se até o início da década de 50, alguns anos antes de Truman Capote escrever a novela que daria origem ao filme, quando Audrey Hepburn ainda era uma jovem atriz que tentava se acostumar com a ideia de que seu grande sonho – tornar-se bailarina – não chegaria nunca.

O livro nos recorda brevemente que nos anos 50, período de gênese do filme que seria lançado em 1961, não existia o “pretinho básico”, a mulher tinha o papel claro de ser a esposa feliz e sem questionamentos, a televisão começava a representar uma forte concorrência ao cinema.
Muitos personagens dos bastidores se cruzam. Todos divertidamente apresentados logo no começo do livro, com uma ironia que esconde o didatismo da escolha. O autor os coloca, logo de cara, como personagens de uma história que foi inventada – sem uso pejorativo no verbo – por Wasson.

Honesto no seu jogo, ele já manda uma mensagem para quem irá percorrer as próximas 256 páginas: eu, Wasson, não sou apenas a mediação entre alguém próximo à produção do filme e o leitor, mas também um intérprete.

Para usar o jargão da música, Wasson leu a partitura de uma composição e, em vez de seguir literalmente todas as orientações do compositor e do letrista, resolveu acrescentar um breque aqui, estender uma nota ali, mudar o andamento acolá, pensar num arranjo mais solto. É por isso que suas escolhas como escritor são fundamentais para que Quinta Avenida, 5 da Manhã seja um livro interessante e vibrante.

Mas essa postura de tornar a gênese do filme Bonequinha de Luxo a coisa-mais-interessante-que-você-leu-neste-ano-e-vai-terminar-de-ler-e-sair-contando-pros-amigos-como-o-livro-é-legal (de fato Quinta Avenida, 5 da Manhã provoca mesmo um encantamento durante a leitura) não dá muita margem para que Wasson fuja da sua tese, já explicitada no subtítulo do filme: “O surgimento da mulher moderna”.

O livro dá um peso e tanto ao papel do filme em colocar pela primeira vez uma outra mulher no cinema: a que não é casada, mas mesmo assim transa e não necessariamente por isso precisa se sentir culpada. Wasson, por um lado, tem realmente razão ao dizer que as personagens de Doris Day fugiam da cama como o Diabo foge da cruz, enquanto as de Bette Davis eram sempre condenadas por ser atrevida.

“Volta, Meu Amor, assim como Confidências à Meia-Noite e todos os outros filmes com o par Doris Day-Rock Hudson, são comédias sobre sexo sem sexo, histórias de como um sujeito forte, bem americano, luta para conseguir chegar à cama fria de Doris. Ela fica sempre horrorizada, sempre chocada, bufando e xingando para escapar dos braços dele, e nunca, em momento algum, aceita nem mesmo um beijo a menos que haja um acordo legal de matrimônio junto”

Claro que, nos anos 50, os Estados Unidos já ditavam os padrões. Mas nesse capítulo fundamental da passagem para os anos 60, que se trata basicamente da mudança de comportamento mundial, há outras manifestações no cinema tão importantes quanto a mulher que Audrey defende no filme.
Wasson menospreza a importância de Marilyn Monroe, por exemplo, reservando a ela o selo de “gostosa excêntrica”. Espera aí! Antes da finesse de Audrey em seu “pretinho básico”, piteira e gatinho no ombro, tivemos a loira fatal que deixava as coxas aparecerem em O Pecado Mora ao Lado ou beijava com fervor em Nunca Fui Santa, ambos de 1955.

É preciso lembrar também outros cinemas além de Hollywood. Antes da Holly Golightly inventada por Blake Edwards, George Alxelrod, Marty Jurow e Richard Sheperde, respectivamente diretor, roteirista e produtores do filme que deu outra cara à personagem de Capote, ouve outra mulher que não permitiu ao espectador condená-la por seus desejos: Harriet Andersson, cuja imagem é congelada no maravilhoso plano final de Mônica e o Desejo (1952) do sueco Ingmar Bergman.

Ou a própria Brigitte Bardot de E Deus Criou a Mulher (1956), que provocaram desejos escondidos como lembrado por Antoine de Baecque no livro Cinefilia.

OK, Hollywood é veículo de massa, e dizer que algo é ícone americano, num contexto pós-Primeira Guerra Mundial, é automaticamente reconhecer seu alcance mundial. Todavia, existiram manifestações paralelas ou anteriores tão importantes quanto a personagem de Audrey Hepburn.

Claro, se Wasson não defendesse que Bonequinha de Luxo foi o responsável pelas mudanças, simplesmente não haveria livro.

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