Ano VII

O Direito do Mais Forte é a Liberdade

quarta-feira jan 4, 2012

O Direito do Mais Forte é a Liberdade (Faustrecht der Freiheit, 1975), de Rainer Werner Fassbinder

O Direito do Mais Forte é a Liberdade surgiu num contexto em que o diretor alemão R. W. Fassbinder (1945-1982), já com amplo prestígio internacional, discutia o sadismo (em Martha, por exemplo) e o preconceito (principalmente em O Medo Devora a Alma, como já havia feito em Witty e O Machão, entre outros).

Nesse mesmo ano, 1975, Fassbinder lançaria ainda dois filmes notáveis: Mamãe Kluster Vai para o Céu e Medo do Medo. A descoberta dos filmes de Douglas Sirk datava, então, de 3 anos, e o diretor já explorava muito bem a movimentação da câmera, os olhares entre os personagens e um antinaturalismo controlado, elementos com os quais construiu sua imponente carreira. É um período majestoso, em que cada obra ganha uma importância inegável.

A fase, contudo, parece ter provocado indecisões. Se em 1976 Fassbinder faria a obra-prima Roleta Chinesa, faria também o interessante Eu Só Quero Que Vocês Me Amem e Assado de Satã, um dos filmes mais infames de sua carreira, junto com Por Que Deu a Louca no Sr. R? (1969). Tal encruzilhada parece ter sido provocada pela excelência de seus trabalhos no biênio 1974-75 (incluindo aí os filmes feitos para a TV).

Em O Direito do Mais Forte é a Liberdade o próprio diretor interpreta um artista de circo (“Fox, a cabeça falante”) que ganha na loteria e passa a andar com homens mais refinados, mas não menos inescrupulosos. Apaixona-se por Eugen, o pior deles. O problema é que Fox “não é o tipo de cara a quem o dinheiro torna rico”, segundo um dos personagens. Logo, o desprezo que os finos sentem por seus modos grosseiros faz com que ele se sinta humilhado como nunca antes em sua vida.

Fox é o homem que pede coxinha em uma recepção chique. Não liga para aparências porque busca sempre o âmago das coisas e das pessoas. Bem diferente, segundo Fassbinder, da sociedade alemã da época.

É tocante acompanhar a jornada de humilhação e aniquilação de Fox. O ator Fassbinder, com seu jeito duro, sua cara de pedra, que parece implacável com quem o trai, suaviza-se em cena, mostrando uma fragilidade que o distancia do diretor prima-donna que interpretou em Cuidado com a Puta Sagrada (1971).

Desde o começo, quando sabemos que seu amante é o dono do circo e vemos seu interesse pelo burguês interpretado por Karlheim Bohn, sentimos que esse personagem é um fraco disfarçado de lobo mau, uma joaninha em pele de tigre.

Em sua descida particular ao inferno moral e social, Fox descobre tarde demais o lado podre e hipócrita dos homens. Nesta obra-prima trágica, é retratada uma Alemanha doente, onde interesseiros e parasitas prosperam.

Naquele momento, quando o sonho da contracultura dos anos 1960 já naufragava sob o poder do dinheiro, foi um tiro certeiro. O que Fassbinder (que faleceu precocemente, em 1982) diria do mundo atual?

Sérgio Alpendre

P.S.: O que deu na Lume? Essa mania de alterar os nomes em português dos filmes é meio irritante. Primeiro este filme de Fassbinder ganhou um “é a liberdade” a mais em seu nome, e o anterior era mais bonito e simples. Depois lançam O Medo Devora a Alma como O Medo Consome a Alma (há um outro título em português, com “corrói” no lugar de “devora”). Esse tipo de coisa confunde.

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br