O Preço do Amanhã
O Preço do Amanhã (In Time, 2011), de Andrew Niccol
A cidade sempre surgiu como unidade essencial na ficção-científica; particularmente, nas distopias que modularam o imaginário ocidental acerca dos rumos de, entre outros, o caos do espaço urbano do século 20 e de seu obscuro porvir: seja na vigilância frontal das transparências panópcticas dos bairros em Nós, do russo Yevgeny Zamyatin; na aparente tranqüilidade asséptica da Londres imaginada por Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo; ou nos enclausurados becos de 1984, de George Orwell, o destino da humanidade parece sucessivamente convergir a uma vida em comum bastante sufocada.
Não são a esses autores, no entanto, que o diretor e roteirista Andrew Niccol deve prestar contas por este O Preço do Amanhã, mas ao patrono mor das adaptações cinematográficas de ficção-científica, o Stephen King do futurismo soturno: Sr. Philip K. Dick. Temos, para citar apenas alguns dos mais famosos filmes adaptados de suas histórias, Blade Runner, O Vingador do Futuro, Minority Report, O Homem Duplo e o recente (e sem dúvida o mais fraco desta seleção) Os Agentes do Destino.
Como nas narrativas de Dick, a premissa de Niccol é daquelas feitas para não ser recusada em nenhum pitching: em um futuro não muito próximo, é descoberta uma maneira de parar completamente o envelhecimento. Para evitar a superpopulação, cada indivíduo deve conseguir, através do trabalho, prolongar sua expectativa de vida – que pode ser conferida por uma espécie de relógio digital implantado no braço. Resumindo: Niccol levou o ditado “tempo é dinheiro” um pouco a sério demais…
O personagem principal é Will Salas, interpretado por Justin Timberlake, morador da timezone Dayton, onde cada habitante ostenta, em média, 23 horas de vida. É lá que ele salva um homem com um século para gastar, mas que, infeliz com sua condição semi-eterna, passa a nosso herói toda a sua “era” para, em seguida, finalmente encerrar sua existência. Salas corre para encontrar sua miserável mãe e contar as boas novas, mas não chega a tempo de salvá-la.
Revoltado com o sistema, e fugindo da acusação de ter roupado sua nova fortuna, o jovem torna-se um revolucionário, atravessando todas as fronteiras até New Greenwich, onde a renda per capita gira em torno de 347 anos. Lá, inicia um romance com a filha (Amanda Seyfried) do maior magnata da cidade.
É neste momento que o diretor abre mão de prosseguir com seu discurso suposta e superficialmente engajado (como nos filmes escritos anteriormente por ele, Gattaca e O Show de Truman) e passa a realizar um thriller bastante ineficaz e, irritantemente, esquemático e preguiçoso em sua fotografia digital, operada por Roger Deakins: cada um dos bairros recebe uma tonalidade diferente de cores, do amarelo esverdeado da pobre Dayton ao azul metálico da região luxuosa.
Felizmente, Andrew Niccol não parece interessado em revirar distopias alheias, nos preservando de adaptações descabidas de clássicos remotos. Torcemos, assim, ao sucesso de seu filme para, benzadeus, podermos, pacificamente, ignorar sua próxima mostra de esperteza e aliciação.
Bruno Cursini
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