Ano VII

Representação russa na Mostra SP

quarta-feira nov 30, 2011

A presença russa

Breve impressão sobre quatro filmes russos da Mostra 2011

Quatro filmes russos chamaram a atenção dos habitués da Mostra nesta 35ª edição: Elena, Sábado Inocente, O Foguista e Movimento Reverso. Fazia tempo que isso não acontecia, e o fenômeno tem sido alardeado como uma nova fase do cinema de lá, semelhante à onda romena que apareceu em nossos festivais há três ou quatro anos. Mas seria esse conjunto de quatro filmes (há um quinto, pouco falado e não visto chamado Gromozeka) algo a se comemorar? Ou estariam os críticos, novamente, exagerando na empolgação e, na falta de coisas novas que prestem, enaltecendo filmes corriqueiros? A julgar pelos quatro títulos vistos, a segunda hipótese é a mais provável, o que a esta altura não surpreende mais. Se Sábado Inocente tem uma proposta vigorosa, falha em tornar seus personagens mais interessantes. E se Movimento Reverso revela um novo esteta no diretor Andrei Stempkovski (e é o melhor dos quatro, fácil), deixa de empolgar pelo registro demasiadamente frio de sua mise-en-scène, na qual os atores parecem todos autistas (e talvez seja essa a intenção, mas o enfado é inevitável em alguns momentos). Elena, para piorar, é de um academicismo irritante, daquele que posa de profundo e complexo, e O Foguista (que a bem da verdade só chamou a atenção dos veteranos de Mostra) é uma péssima tentativa de se trabalhar na fronteira com um cinema vagabundo. Que alarde é esse, então?

Vamos com calma. O Foguista tem cenas de nudez gratuita – o que não seria um problema em si – e excesso de música de espera telefônica – algo com que Ferreri, Rohmer e boa parte do cinema de ação dos anos 80 trabalhava muito bem. Balabanov, diretor representado em Mostras passadas por um filme que parecia interessante em 1999 (Sobre Deuses e Homens), filma razoavelmente bem, mas está muito longe de ser um Paul Verhoeven, ou mesmo um John Waters. Logo, seu filme naufraga na tentativa de lidar com um tipo de comédia de costumes particular, recheada de vulgaridade, brutalidade e assassinatos. Nos momentos picantes, parece uma pornochanchada brasileira trivial, das menos inspiradas, mas com as atrizes desprovidas de talento que fizeram filmes XXX nos anos 1980, no lugar de nomes como Matilde Mastrangi, Aldine Müller e Helena Ramos, que além de bonitas eram boas atrizes. Podemos dar um desconto, já que esse filme não está entre os elogiados por nove entre dez críticos que acompanharam a Mostra. Talvez tenha sido visto mesmo por quem já conhecia o diretor. Mas no caso dos outros três, houve um claro exagero, e no caso de Elena, a coisa beira a miopia.

Movimento Reverso pode até ser uma exceção, já que é o único dos quatro filmes que pode ser considerado bom. A grandeza alardeada por alguns mostrófilos, contudo, passa bem longe deste longa em que a maior qualidade é a demonstração da falência moral de uma região sempre às voltas com conflitos. Os planos são muito bem cuidados, e o desfecho é filmado com uma firmeza que não está presente em qualquer filme. O problema é que falta ao diretor uma convicção maior de suas propostas estéticas, e talvez uma maior clareza no desenrolar da narrativa.

Clareza não é um problema em Sábado Inocente, já que acompanhamos um grupo de jovens que tenta lidar com a explosão de um reator nuclear no histórico desastre de Shernobyl. Perde-se muito tempo com suas brigas e bebedeiras, e todos os personagens parecem ter sido afetados cerebralmente assim que se deu a explosão, já que as falas e ações minimamente inteligentes são raridade no filme. A música da festa de casamento salva, assim como a proposta de usar uma câmera o tempo todo nervosa, que acompanha de muito perto a confusão emocional do protagonista. Mas não podemos dizer que o filme é bem sucedido sem nos mancharmos com as tintas da condescendência.

Sérgio Alpendre

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