A Favorita
A Favorita (The Favourite, 2018), de Yorgos Lanthimos
Filme que em muitos aspectos destoa daquilo que até então conhecíamos da filmografia de Lanthimos – filme de época, século XVIII, com toda a pompa e imponência daquilo que vemos nas pinturas que retratam o período e em filmes como Barry Lyndon (1975), de Stanley Kubrick. Porém, em quase todos outros aspectos é um filme perfeitamente em consonância com sua breve filmografia.
Como tudo aquilo que tem realizado desde pelo menos Dente canino (Kynodontas, 2009), Lanthimos se utiliza de procedimentos de agressão ao espectador para dar sua piscadela cool e esboçar seu sorriso cínico de canto de boca enquanto desfila personagens repulsivos engendrados, aqui, nas intrigas palacianas da alta corte inglesa. Yorgos Lanthimos despreza suas personagens. Não poderia ficar muito atrás sua atitude em relação a seu espectador, pois os engana e os subjuga por detrás dos supostos olhares críticos à sociedade que imprime em suas perversões morais. Tradução mais rasteira de alguém que viu mau a filmografia de Kubrick, de Bresson e que absorveu o que de pior poderia ser absorvido de Michael Haneke, constitui seus filmes como armadilhas muito bem armadas que escondem sob a fina camada de um suposto conteúdo a completa falta de substancia daquilo que acredita filmar.
Em seu filme anterior O sacrifício do cervo sagrado (The Killing of a Sacred Deer, 2017), um plano traduz muito bem a indumentária da qual Lanthimos se utiliza. Um ponto de vista do alto (um “plano picado”) filma de forma distanciada, porém com uma gravidade extrema, o filho do protagonista vivido por Collin Farrell tendo um ataque e desmaiando no corredor de um hospital. Como alguém que olha a tudo e a todos de cima, e jamais apresenta outras possibilidades, alguma profundidade ou sequer um respiro de humanidade, seu jogo de cartas marcadas fatalista já está posto e fadado ao escárnio. Outro plano, já no final do mesmo filme, sintetiza seu cinema: o garoto esquisito (antagonista que se vinga da família do protagonista em uma espécie de maldição que faz adoecer e paralisar seus filhos até que obriga o homem a matar um deles para quebrar o ciclo), após consumado o ato final, olha para a câmera (que assume o ponto de vista de Collin Farrell) e sorri expondo uma expressão sádica.
Espécie de anti-Kubrick, alguém que leu notas de rodapés de notícias sensacionalistas sobre cinema e deu-se por satisfeito, Yorgos Lanthimos é uma figura que representa muito daquilo que o circuito de arte tem se tornado de maneira cada vez mais incontornável: um conjunto de agitadores oportunistas que ditam as regras e dão espaço para figuras como Alexandros Avranas, Lars Von Trier, Damián Szifron, Gaspar Noé, Ruben Östlund e o próprio Lanthimos.
Como uma espécie de anti Barry Lyndon em todos os sentidos possíveis, A favorita é encenado a partir de um olhar que parece somente interessado em expor ao máximo o árduo trabalho de produção e complexo aparato de filmes de época, ao mesmo tempo em que expõe seu mordaz cinismo e seu mosaico primário de intrigas palacianas na aristocracia inglesa do século XVIII: lentes angulares de extremo mal gosto varrendo as salas grandiosas do palácio real, travellings marcados sem motivo aparente e o que mais for necessário para demonstrar virtuosismo técnico. A favorita, como tudo aquilo que Lanthimos representa com seu cinema e sua visão de mundo, não tem lugar de ser que não o auto regozijo e a histeria coletiva de agentes culturais espertinhos que se retroalimentam incessantemente.
Rafael Dornellas
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