Jogador n° 1
Jogador n° 1 (Ready Player One, 2018), de Steven Spielberg
Ovo oco essa festa do easter egg spielbergiana? Eis o primeiro, único e definitivo filme Omelete da história do cinema, para a alegria e ódio dos avatares das sessões de comentários! Mas, olha lá, o cinema é assim mesmo, quanto mais vazio, melhor. Menos chance para os mensageiros, os lacrinhas, os enemeiros (cinema-enem, cheio de questões), os bobos e os alegres. A única mensagem aqui é o seguinte: não vamos derrubar o sistema, ou “acordar” (Matrix), o negócio é virar rei do sistema e controla-lo. É bonita essa ode à liderança: aprenda a juntar aliados e amigos, desde que seja o comandante. “Bonita” não pela moral em si, já que é compreensível que alguém possa discordar dela, mas pela harmonia em relação à substância filmada, que é o movimento, a aventura, a demonstração de poder, prerrogativas dos blockbusters. Os Star Wars da Disney são contra-exemplos que demonstram como o filme de ação equilibra-se melhor quando empurrado por uma moral individualista ao invés do falso progressismo coletivista. Destituída da tarefa de ser veículo para mensagens edificantes, a figura individualista fica livre para pintar justamente a ação como parte absolutamente integrada do todo (gostosa ironia).
A impressionante sequência da corrida, primeiro desafio imposto pelo guru Hallyday, é a evidência dessa perfeita orquestração interessada apenas nas infinitas possibilidades de combinações, atritos e dinâmicas dos seus elementos, mesmo que boa parte deles, o DeLorean, o T. Rex, o Mach 5, o King Kong, a moto vermelha de Kaneda, sejam peças extra-fílmicas, estufadas de sentido próprio. O excesso e o acumulo de estímulos visuais, de sons, de movimento, de iconografias, é radical ao ponto de beirar a paródia (como essa, que brinca com a saudável obsessão de George Lucas, pincelzinho digital à mão, em refazer sua obra, pela via, quase sempre, um Phil Spector do CGI, do acréscimo), sem nunca cair no precipício pelo fato de que é possível realmente ver o que acontece na tela. Kevin Shields não é brilhante pela quantidade de pedais que usa – embora o aspecto quantitativo seja parte fundamental do jogo – e sim por agir como o escultor que não aplica uma forma à matéria bruta, mas encontra no caos uma figura já pronta, uma doce canção pop, escondida atrás da parede como a esposa do Narrador em O Gato Negro, de Poe. Muitas vezes, em especial nesta sequência automobilística, Jogador n° 1, como no fascinante Speed Racer de 2008, se parece com a capa áudio-animada de Loveless, o que é sempre uma vitória. O cinema, filho bastardo de sete pais, é feito para o excesso e quanto mais se aproxima radicalmente de outras artes, mais se engrandece. O verdadeiro cinema puro é quando o cinema é mais teatral que o próprio teatro, mais videogame que os videogames. Godard se enganou: os Lumière não são os últimos impressionistas. São os primeiros!
No splash pop, na gosma de referências e nos ovos mexidos dos easter eggs que habitam o mundo criado por Spielberg, há um caminho muito claro, de desenho preciso, como o Adventure, game do Atari 2600 que é peça chave para a trama de Jogador n° 1. Spielberg, que claramente se identifica com Halliday, mais do que reitera a relação óbvia do personagem com tipos como Steve Jobs, é o verdadeiro guru do Oásis. Os quartos de Eliiott em ET – O Extraterrestre e Robbie em Poltergeist: O Fenômeno já eram estudos para a ciração de um mundo construído de iconografia e tralha pop (os centros das cidades de De Volta Para o Futuro 1 e 2 e Gremnlins já são um estudo em maior escala, agora acrescentando o product placement em meio ao easter egg, o que talvez dê no mesmo, inclusive). Assim como Halliday, Spielberg criou um conceito infalível de apropriação, já que criou um universo e, tudo o que se passa dentro dele, imediatamente é associado ao seu nome (Super 8 e aquela série que foi criada em um gerador spielbergiano). Ambicioso, agora o diretor almeja invadir e conquistar outros mundos: não seria hilário se as pessoas começassem a associar erroneamente O Iluminado a Spielberg? Isso não vai acontecer, é claro, mas a ideia de o diretor de Indiana Jones e O Reino da Caveira de Cristal arrombar obra tão “unânime” e enchê-la de zumbis saídos direto das máquinas de The House of The Dead é bastante divertida.
Aguardamos uma continuação, Ready Player Two, produzida por Spielberg e dirigida por Zemeckis, em que em dado momento os personagens voltem no tempo e revejam incidentes do primeiro filme, a partir de um desafio cuidadosamente posicionado em Toontown, vencido em uma partida de multiplayer de GoldenEye 007 com todo mundo controlando Jaws!
Wellington Sari
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