Ano VII

Em Ritmo De Fuga

quinta-feira jul 20, 2017

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Baby meme – Em Ritmo De Fuga (Baby Driver, de Edgar Wright)

Por Wellington Sari

Que vivemos na era da fantasia não é novidade – quanto tempo até o apresentador ler as notícias no telejornal vestindo camiseta do Super Man? É inevitável pensar que a consequência de tal situação seja a equalização das faixas-etárias por meio do gosto. No mundo de hoje, todos são os filhos e as vitrines das grandes livrarias sugerem como presentes para os dias dos pais HQS do Batman, action figures de personagens de Walking Dead e camisetas de A Hora da Aventura. A internet, geleia das gincanas do neo jornalismo em forma de top ten, é o maior e mais relevante meio de expressão do nosso tempo e uma de suas grandes marcas é promover o totalitarismo teen como linguagem. Na internet, adultos de 33 ou adolescentes de 13 usam boné para trás, escrevem “migo”, “miga” e fazem dos memes e dos emoticoms suas linguagens de sinal (ninguém acha absolutamente bobo que um sujeito de 40 anos se comunique com a ajuda de bonequinhos fofos?), o que seria o equivalente a pessoas de meia idade, em 1999, falando “tipo assim” em toda frase.

Baby Driver só poderia então ser um filme ícone dessa geração, a geração baby meme.  O que vemos na tela é um exercício de fantasia, ou melhor, de festa à fantasia cuja temática é The Driver, de Walter Hill. Em uma operação de infantilização e nivelamento por baixo (por baixo dos 18 anos), o filme realiza processo muito parecido com o que já se viu em Glee ou High School Musical: grandes canções da música pop são re-embaladas pela roupinha de colegial, colocando tudo dentro de um grande e sorridente balaio, The Damned, Beach Boys, Stax, T.Rex, Motown e Motley Crue, em que a música vira mero detalhe, acompanhamento, muleta da montagem, sonzinho em mono foninho – um na orelha, outro pendurado – enquanto se faz qualquer outra coisa. Se a música colada por cima da imagem é mero embalo, não se poderia imaginar que elas mesmas, as imagens, tivessem vida própria e fossem capazes de subir a ladeira por conta própria, ao invés de apenas descer a segura ladeira da referência. Ou, muito menos, poder-se-ia esperar que as imagens tivessem outra característica que não a polpuda pasteurização de qualquer essência de um “filme de fuga” (como veremos abaixo). A dramaturgia é uma sequência radiante de melhores momentos, em que tudo é piadinha, citação, gracejo – sem ultrapassar os limites do estranhamento, claro. Como toda coletânea, a norma é… não sair do normal.

A fantasia é irmã da farsa e, se há algo que se deve reconhecer como um acerto por parte de Edgar Wright é o fato de o diretor ter a decência de assumir, por meio de uma fala do protagonista, que tudo não passa de um tremendo trambique. Nosso herói de zumbido no ouvido é, em verdade, um zumbi de playlist (cuja favorita poderia ser: “40 músicas para se escutar enquanto se anda na rua agindo como um idiota tal em Homem-Aranha 3”) que consome música o tempo inteiro, mas que não entende nada – afinal, ele é só isso mesmo, um consumidor de sensibilidade em estado de gelatina, por encarar a música como apetrecho descolado, da mesma maneira que um ipod e um óculos escuro  – e, ao falar de Deborah, pronuncia “Trex” ao invés de T.Rex.

Como Wright pronunciaria Ryan O´Neal ou Bruce Dern? Não ouvimos, mas vemos na tela que o resultado é Ansel Egort (o baby) e Jon Hamm, a rodopiar em ridículos drifts (modalidade que seria o equivalente a um concurso de cosplay de automobilismo), em manobras plásticas demais, em um virtuosismo de videogame que exclui qualquer senso de perigo ou concentração. O oversteering no carro de O´Neal era controlado com o ator em semblante sério e focado, na expressão que se vê no rosto de todo grande piloto, esses homens que passam a vida em perpétuo movimento atrás de um objetivo fugidio, um vanishing point, porque não? Os essenciais filmes com automóveis dos anos 70 mostravam essa vontade de movimento, esse momento que sucede a espera, que são todas aquelas horas em que não se está empregando às linhas da existência algum significado, mesmo que ilegível aos outros, quando não se está riscando o mapa em uma jornada através do espaço, preenchendo o vazio atrás do volante, numa fuga sem fim da angústia da existência.  Na simulação de fuga que é Baby Driver, Wright infantiliza Two Lane, Blacktop, Vanishing Point, White Lighting e faz chacota do já mencionado The Driver. A angústia é substituída pelo conforto da referência e da canjica pop que promove o esvaziamento voraz de todo e qualquer significado ou peso.  Algo típico da cultura de internet e sua manifestação síntese, que é o meme: o meme não é iconoclasta pois não há qualquer violência nessa prática; o meme desrespeita as imagens originais sendo cínico, fofo e infantil, características quilômetros de distância da violência.  O resultado, em um filme totalmente impregnado com essa cultura (ou, fruto dela) é um grande nada sobre o absoluto vácuo e quem se refestela com isso… bem, a conclusão é óbvia.

Qual será o próximo passo? Um western que “homenageia” Onde Começa o Inferno, com um cowboy na puberdade usando uma camiseta do Deadpool, cuja trilha sonora desfilará todo tipo de canção cool que as sugestões das playlists do Spotify podem formar?

 

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