Ano VII

Mulher-Maravilha

sexta-feira jun 2, 2017

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O Feminismo da Musa

Por Wellington Sari

Se o professor de A Academia das Musas tivesse a oportunidade, ou intenção, de simplificar suas teorias e embalá-las em um blockbuster, com a intenção de se comunicar com o maior número de pessoas possível, Mulher-Maravilha teria sido o resultado.  A presença de Patty Jenkins na direção é um escudo contra possíveis (e infundadas) acusações de “fetichização” da mulher ou outras prosaicas declarações de igual natureza, mas o fato é que, tanto visualmente quanto no campo temático, o filme é guardado pela trincheira de Zack Snyder, produtor e um dos roteiristas do longa – o que não tira da diretora o mérito de conduzir o longa com a mesma graça daquilo que é retratado.

Digamos, então, que o crédito pela necessidade de manipular o tempo durante as sequências de ação, a fim de transformar a ação em fixação (guardemos o duplo sentido), transfigurar o golpe em pose, como fariam os Antigos, deve ser dado a Snyder, sem nos esquecermos, é claro, que tão importante quanto o resultado do que foi esculpido é a qualidade da matéria prima moldada – Michelangelo não passou meses selecionando com minúcia na pedreira de Carrara peças que serviriam para a obra do mausoléu do papa Júlio II à toa. Ou seja, a graça, beleza natural e atleticismo de Gal Godot já estão ali presentes, restando à Jenkins/Snyder, como diria o autor de David, apenas libertá-las da matéria prima.

O extensivo uso do CGI, quando em favor do sobre-humano, sem, justamente, deixar de ser humano, não se configura em ofensa à beleza natural de um corpo feminino. Se não é Gal Godot fisicamente presente quem vemos saltar para o abismo, avançar sobre a torre de uma igreja ou se contorcer em meio à saraivadas de balas no front, é sobre seu corpo que se aplicam esses gestos impossíveis e o resultado é tão interessante quanto uma boa apresentação de ginástica rítmica – Diana, com seu chicote de neon, não é menos do que uma ginasta ultra olímpica, afinal.  Se falamos em Michelangelo, não se pode deixar de mencionar Gianbologna, o escultor maneirista, e seu Mercúrio, talhado em bronze, que parece flutuar sustentado por um sopro de vento (humano na harmonia da proporção do desenho formado pelo corpo, sobre-humano no aparente desafio às leis da gravidade).

Mercure_volant_of_Giambologna,_Louvre,_ParisEsse CGI que privilegia o corpo e enfatiza a pose é típico de Snyder, mas, aqui, em parceria com Jenkins, a técnica alcança o verdadeiro propósito: dar forma à Musa. No filme de José Luis Guerin vemos um professor tentar colocar em prática um dos aspectos da mitologia grega referente às mulheres, cujo papel seria o de fornecer amor, impedir a guerra, inspirar. Jenkins e Snyder, passam para a ação tendo como fonte o mesmo material, e, no caso do blockbuster, traduzindo-o com toda a simplificação pop que se espera de uma obra desse tipo.

Mesmo assim, a essência é mantida e Mulher-Maravilha é a ilustração desse poder da feminilidade. Uma feminilidade que, ao contrário dos Star Wars da Disney ou do mais recente Caça-Fantasmas, não teme o contato físico com o homem, nem tenta se afirmar pela negação do afeto e dos gestos há muito estabelecidos como belos: parece proposital a vontade de Jenkins e Snyder em se colocarem como antítese à Rey de O Despertar da Força, quando em determinada cena a heroína Diana pede para dar a mão ao personagem de Chris Pine. Embora seja por meio da luta física e do confronto que o filme resolva os seus problemas, a violência apresentada é moral por almejar a saída da inércia e a defesa, não a suplantação pura e simples. Os cínicos rirão e ninguém além dos pobres de espírito sentirá inveja ou vontade de juntar-se a eles, mas o fato é que a violência da Musa Diana almeja o amor. E o amor é um exercício de imaginação, o que, por sinal, é um exercício de inteligência. Para saber inspirar e ser inspirado, é preciso ter ambos.

Se Camille Paglia fala em um street-wise feminism, um feminismo que sabe se defender e que entende com perfeição seu papel, pode-se pensar que Mulher-Maravilha sugere um greek-wise feminism, ao apresentar o sexo feminino não como objeto idealizado, mas como antídoto à feiura, à brutalidade, à banalidade, imoralidade e a falta de imaginação, marcas da era tão pouco inspirada em que vivemos.

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