Certo Agora, Errado Antes
Certo Agora, Errado Antes (Ji geum eun mat go geu ddae neun teul li daji, 2015), de Hong Sang-Soo
O que não foi e o que poderia ter sido
Em 20 anos de carreira como cineasta – sua estreia data de 1996 – Hong Sang-Soo já lançou 18 longas-metragens. Certo agora, errado antes é o penúltimo deles e apenas o quarto a ter lançamento comercial no Brasil, o que ocorreu pela primeira vez com HaHaHa, de 2010. É muito pouco para aquele que pode ser considerado um dos autores essenciais do cinema contemporâneo. Mais que qualquer outro diretor em atividade no momento, Hong Sang-Soo investe em trabalhar de forma radical a máxima que afirma que “um verdadeiro autor faria sempre o mesmo filme”.
Considerando o primeiro texto que escrevi sobre ele, em 2005, após o contato com apenas dois de seus títulos, é impressionante verificar que tudo que está lá continua valendo pra qualquer dos seus filmes aos quais se assista, como é o caso de Certo agora, errado antes. Temos as narrativas em dois ou mais tempos que se espelham ou complementam; protagonistas que são artistas – geralmente cineastas – em encontros fugazes, momentâneos, que, no entanto, parecem definir toda sua existência, encontros esses que inexoravelmente, apesar de sua intensidade, não parecem determinar relações ou mudanças duradouras em suas vidas; a ação invariavelmente acompanha os personagens em deambulações constantes onde se fala o tempo todo e quase sempre se bebe demais. Para os personagens de Hong, nesse ou qualquer outro filme, a bebida faz parte de sua essência de forma indissociável.
Certo agora, errado antes representa o ponto máximo de depuração no estilo de Hong Sang-Soo, que consegue trabalhar há mais de 20 anos sem arredar o pé um milímetro sequer de seu projeto de cinema. Seu estilo, que invariavelmente ecoa na obra de Eric Rohmer, prima pela limpidez e objetividade de um trabalho de câmera, que se caracteriza numa discreta complexidade, cuja precisão de movimentos e reenquadramentos definem mudanças nas atitudes e estados de espírito dos personagens. No filme em questão, a opção pelos dois tempos narrativos, onde a história retorna ao seu princípio, ressalta a tese que pequenas mudanças nas atitudes dos protagonistas, todas sublinhadas pela encenação do diretor, determinariam, como diz o título, diferentes destinos, no caso, igualmente frustrantes, para a relação entre esses personagens.
Hong faz aqui aquela que até agora é sua obra-prima maior, uma reflexão sobre a vida, não naquilo que ela é de fato, mas sobre aquilo que não foi e aquilo que poderia ter sido. Tudo banhado em diálogos de uma riqueza espantosa e de um humor bastante peculiar ao seu criador, posto que o diretor-roteirista sul coreano é certamente o melhor escritor de diálogos do cinema atual. Certo agora, errado antes é o ponto culminante de uma obra que, apesar da recorrência incessante de um mesmo universo, temática e estilo, surpreende a cada novo trabalho, sempre de forma positiva.
Gilberto Silva Jr.
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