Um costume frequente, entre neófitos e recém-chegados ao mundo dos quadrinhos, era citar o trabalho do desenhista e roteirista norte-americano Frank Miller.
Para esses, o mais importante não era ressaltar que uma parte do – agora antológico – trabalho de Frank Miller com o personagem Demolidor estava disponível nas bancas brasileiras, já havia um bom tempo, em um despretensioso gibi chamado Superaventuras Marvel (julho de 1982). O mais importante era se afirmar como um leitor diferenciado de graphic novels, que não queria ser confundido com a turba de leitores que acometiam as bancas de jornal e sebos para formar suas coleções, e com isso garantir a ascensão de artistas como Miller.
Com essa postura, essas pessoas começaram – ainda que sem consciência disso – uma tendência quase irreversível, que danificou a indústria dos quadrinhos, fazendo com que um produto simples e acessível se transformasse em um item caro, com acabamento de luxo.
Para essa nova geração de leitores, o mais importante é que o quadrinho fique “bem na estante”; afinal, eles querem posar de entendidos, exibindo suas caríssimas edições ao lado de suas outras peças de coleção e aparelhos eletrônicos modernos.
Boa parte desses novos leitores, além de alguns antigos, acredita que os artistas, de maneira geral, são pessoas adeptas da anarquia e contrárias à ordem e aos bons costumes; que, para ser um talentoso desenhista e/ou roteirista de histórias em quadrinhos, é necessário ter uma dose de subversão; que os trabalhos realizados por esses artistas devem existir apenas para diverti-los.
Esquecem, por exemplo, que, durante a Segunda Guerra Mundial, os gibis também participaram ativamente do esforço de guerra, enfrentando em suas páginas os inimigos da democracia e inspirando a atuação dos soldados no front.
Com Holy Terror, Frank Miller resgata essa tendência patriótica dos quadrinhos norte-americanos de guerra. De quebra ainda mandou um recado para os arruaceiros do movimento Occupy Wall Street em novembro do ano passado:
“O ‘Occupy’ não passa de um bando de turrões, bandidos e estupradores, uma turba indisciplinada, vivendo da nostalgia de Woodstock e de fétida e falsa honradez. A única coisa que esses palhaços conseguem é fazer mal à América (…) não é mais do que uma modinha criada por moleques mimados de iPhones e iPads na mão, que deviam sair da frente de quem quer trabalhar e procurar emprego (…) Em nome da decência, voltem para casa do papai, seus medíocres. Vão para o porão da mamãe brincar de Lords Of Warcraft (…) talvez nossos militares consigam botar razão na sua cabeça. Só que talvez não deixem você ficar com o iPhone.”
Maniqueísmo assumido
Para espanto dos liberais modernos de plantão, que defendem que só pode haver artistas comprometidos com a política de esquerda, Frank Miller não só deixa clara a sua bem-vinda posição conservadora, como ainda manda um recado para os terroristas, arruaceiros, anarquistas e demais elementos subversivos que povoam o mundo, mostrando, nas páginas de Holy Terror, como eles devem ser tratados: entreguem-se ou morram. Holy Terror será o gibi mais lido em Guantánamo.
A premissa é bem simples e propositadamente maniqueísta: o herói The Fixer protege uma Nova York fictícia, de terroristas islâmicos que pregam a destruição e difundem o terror.
Não há espaço para sutilezas, os vilões são claramente identificados como notórias figuras políticas que frequentam o noticiário internacional, e os desenhos bastante simplórios e repletos dos maneirismos de Frank Miller parecem reciclar tudo que já vimos antes em trabalhos anteriores, principalmente em 300 (outro trabalho igualmente político, disfarçado de mitologia). São tantos desenhos mostrando o solado das botas que fiquei me perguntando por que ele não aproveitou para colocar uma propaganda de calçado esportivo e faturar mais algum.
Holy Terror não é comparável com seu material antigo, seja como ilustrador (Demolidor, Batman Cavaleiro das Trevas), ou como roteirista (Elektra Assassina, Give me Liberty, Hard Boiled), mas vale pela provocação explícita e por um posicionamento político que estava fazendo falta nos quadrinhos.
O mais interessante é que Frank Miller tomou o cuidado de fazer um álbum de quadrinhos ao gosto dos fregueses modernos: grande e caro. Espero que ele possa ser visto na Vila Madalena, em alguma dessas estantes de design assinado.
Holy Terror
Frank Miller
Legendary Comics
US$16,90 (variável)
Franklin Ruão (aka Sargento Mad Dog) é produtor de televisão e sabe tudo de HQ. Se ele fosse um dos Watchmen, seria o Rorschach.
Fale com ele: frank_ruao@yahoo.com.br
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Mais HQ:
Embora hoje seja considerado um dos três personagens principais dos estúdios Disney, junto com Mickey e Donald, Pateta era odiado por Walt Disney. Um personagem bobo, apenas fazedor de besteiras sem sentido.
Nos anos 40 e 50, o criador do estúdio que leva seu nome cogitava constantemente paralisar a produção dos curtas estrelados pelo personagem. Só não o fazia para manter seus desenhistas ocupados no abalo do pós-Segunda Guerra, quando o estúdio entrou em declínio. A informação consta na biografia de Disney, escrita por Neal Gabler, lançada no Brasil em 2009 pela Novo Século.
Nos quadrinhos não era diferente. Personagem de primeira linha, mas que não alcançava status para histórias ou publicações próprias, mesmo em sua terra natal. Tal fato mudaria apenas nos anos 70. A Western Publishing, então licenciada nos Estados Unidos para desenvolver, imprimir e exportar aventuras da Disney, não estava dando conta da demanda e passou a contratar estúdios para o trabalho. O estúdio do animador e quadrinista argentino Jaime Diaz foi um deles.
O principal trabalho conduzido por ele foi a criação da série “Pateta Faz História”. Ao todo, foram 38 episódios produzidos em duas fases: 17 na década de 70 e outros 21 nos anos 80. Protagonizadas por Pateta, as paródias biográficas não procuram ser deveras fiéis à realidade ou aos personagens da literatura clássica.
Um exemplo é a criação do processo de pasteurização, descoberta do químico francês Louis Pasteur (1822 – 1895). Nos quadrinhos, Pasteur, vivido por Pateta, incendeia mansões e depois toda a Paris para eliminar os micro-organismos existentes no leite.
Outra ferramenta bastante utilizada ao longo da série é a metalinguagem. Em Ulisses, temendo que a história se perdesse, um personagem começa a erguer placas para que Pateta as lesse, como se fossem suas falas. Ao ser indagado por Mickey, o personagem apenas comenta: “Alguém tem que fazer alguma coisa pra tocar esta história para a frente”.
Embora produzidas pelo mesmo estúdio e com praticamente os mesmos artistas, as aventuras dos anos 70 apresentam diferenças em relação às dos anos 80. A primeira série ousava bastante da diagramação das páginas, que tinham como base três tiras cada. Uma mostra clara dessa liberdade gráfica é a página que abre “Tutancâmon”, reproduzida ao lado.
A segunda fase apresenta uma estrutura conservadora, com quatro tiras por página e diagramação mais tradicional. A diferença deve-se à mudança de roteiristas de uma década para outra. Os roteiros eram enviados pelo estúdio Disney dos Estados Unidos, o que obrigava os artistas argentinos a serem bastante fiéis à proposta original. Logo a mudança de direção dos roteiros provocou uma mudança também nos desenhos.
Disney em alta no Brasil
“Pateta Faz História” é um bom divertimento não apenas para os fãs de quadrinhos, mas também para os amantes de boas sátiras e comédias. Além disso, a série, recém-concluída, revela o bom momento vivido pela Editora Abril com os quadrinhos Disney no Brasil.
A compilação desta saga – dividida em 20 volumes, sendo a última edição composta por “Teatro Disney”, que foi a primeira série a usar os personagens Disney como atores e teria dado origem a “Pateta Faz História” – dá-se logo após outra, “Clássicos da Literatura Disney”, com 40 edições lançadas semanalmente entre 2010 e 2011.
Antes, a editora já havia lançado “O Melhor da Disney: As Obras Completas de Carl Barks”, com 41 edições publicadas entre 2004 e 2008.
A saga atual evidencia este bom momento – junto com a volta das assinaturas e da distribuição nacional. E o sucesso deve continuar, tanto que para 2012 a Abril já promete uma nova saga semanal para o segundo semestre, além de especiais que incluem um tijolão de 500 páginas chamado “Disney Jumbo”.
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Tiago Souza é jornalista e pesquisador especializado em quadrinhos, literatura, economia e política. Variedade de interesses é com ele mesmo.
Fale com ele: tiagosouzaemail@gmail.com
Texto: Franklin Ruão
A editora norte-americana Bluewater Comics, especializada em quadrinhos biográficos de celebridades, deve lançar em breve Infamous Charlie Sheen. Mas não espere ver esse gibi na seção de quadrinhos encadernados de alguma grande rede de livrarias, onde os aficionados se acotovelam para ler de graça as caríssimas republicações em capa dura de títulos que antes eram encontrados em bancas de jornal por preços bem menores.
Este é apenas mais um lançamento que se aproveita do momento, quando todos os holofotes estão voltados para o polêmico ator.
É claro que Charlie Sheen tem potencial para se transformar em um grande herói dos quadrinhos, rivalizando com Batman, outro playboy milionário que faz o que quer e só acorda às três da tarde.
Toda a atenção que Charlie Sheen tem recebido se deve ao sucesso da sitcom Two and a Half Men, que fez dele o ator mais bem pago da televisão nos Estados Unidos.
Chuck Lorre, que criou a série junto com Lee Aronsohn, desde o início imaginou Charlie como o milionário viciado em sexo e bebida, uma vez que o papel só retratava o cotidiano que o ator já levava há décadas.
Lorre só não imaginava que a criatura se tornaria mais importante que seu criador e, como é de costume nessas situações, tratou de destruir seu filho rebelde.
Enquanto a série ganhava status como sucesso mundial, e Charlie Sheen ficava cada dia mais podre de rico, Lorre se tornava um ressentido, pois projetava no personagem todas as suas fantasias e desejos reprimidos.
Dentro e fora da série, Charlie seguia seus impulsos hedonistas no livre consumo de mulheres, bebidas e drogas em excesso e sem remorsos. Já Lorre era corroído pela culpa e a frustração de ter escolhido ser o irmão fraco e submisso de Charlie, Alan, interpretado na série por Jon Cryer – o verdadeiro alter ego do criador da sitcom.
Lorre e todos os demais frustrados da equipe torciam para que Alan vencesse no final, assim como Bill Gates e Steve Jobs prosperaram apesar de serem frágeis e pouco interessantes.
Aos poucos, Lorre conduziu a série para episódios nos quais Charlie, atormentado e confuso, teve que escolher entre seu estilo de vida ou o casamento e seus malefícios.
O personagem acusou o golpe, enfraqueceu, entrou em depressão, enquanto o papel de Jon Cryer crescia lentamente. No fim, o sangue de tigre e DNA de Adonis de Charlie Sheen falou mais alto, e ele radicalizou com drogas e álcool, deixando claro que não era mais uma das marionetes controladas por Lorre.
Foi a deixa para o chefe descartar ator e personagem, mesmo que para isso tivesse que sacrificar sua galinha dos ovos de ouro, substituindo Charlie por Ashton Kutcher.
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Charlie Sheen tinha por volta de 10 anos de idade quando acompanhou seu pai, Martin Sheen, até as Filipinas para as filmagens do épico de guerra Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola. Ele presenciou toda a loucura que foi a produção do filme, incluindo destruição de cenários, mortes, festas selvagens e o ataque cardíaco quase fulminante do seu próprio pai.
Em 1986, Jon Cryer (futuro intérprete inconsciente de Chuck Lorre) era uma espécie de emo-fashion, que não sabia se ficava com a garota ou com o guarda-roupa dela em A Garota de Rosa Shocking (Pretty in Pink). No mesmo ano, Charlie era o delinquente na delegacia que partia para cima da irmã de Ferris Bueller no também clássico Curtindo a Vida Adoidado, de John Hughes.
Ele ainda arrumou tempo para visitar a guerra do Vietnã em Platoon, também de 1986, e disseminar o lema dos yuppies cocainômanos, “ambição é bom”, em Wall Street – Poder e Cobiça, de 1987, dois filmes de Oliver Stone.
Dirigido e atuando ao lado de ninguém menos que Clint Eastwood, fez Rookie – Um Profissional do Perigo (1990), no mesmo ano em que esteve em um dos primeiros filmes a mostrar a equipe Seal da marinha dos Estados Unidos enfrentando terroristas no Líbano, em Comando Imbatível. Os Seals foram os responsáveis, 21 anos depois, pela eliminação do terrorista mais procurado do mundo: Osama Bin Laden.
Mas, mesmo com esses bons serviços prestados ao cinema adulto, o público volátil preferiu compactuar com os críticos bem comportados no linchamento de Charlie Sheen, agora visto apenas como um ator viciado em reabilitação permanente.
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Eu não me lembro de nenhuma mulher, no seriado ou na vida real, reclamar de receber diamantes e levar a vida na primeira classe ao lado dele. Se os seus detratores tivessem a oportunidade de ter uma mansão no meio da praia e muito dinheiro para gastar, agiriam de modo diferente? Chuck Lorre acredita que sim, e colocou Ashton Kutcher andando pelado para tentar provar.
Com isso, ele destruiu definitivamente a série e a transformou em um programa de menininhas que vão se reunir para fazer as unhas, assistindo Ashton desfilar para elas. O mais surpreendente foram os críticos do sexo masculino que endossaram essa mudança.
Charlie Sheen no papel de Charlie Harper era o homem que todos queriam imitar. As mulheres, por outro lado, desejavam mudá-lo completamente e exibir sua castração matrimonial como um troféu para suas mães e amigas.
No programa Comedy Central Roast de 19 de setembro, Charlie Sheen cravou: “Eu tive tudo no mundo e perdi tudo porque fiz o que todo mundo aqui quer fazer um dia: mandar seu chefe se foder. E ainda estou aqui pra contar a história.”
Ao lado de Tony Soprano e Jack Bauer, Charlie Harper completa a trindade da masculinidade moderna nesses tempos atordoados em que vivemos, quando o pensamento independente é cerceado, e as patrulhas totalitárias rondam em busca daqueles que ainda celebram o prazer de possuir testosterona correndo nas veias.
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Franklin Ruão (aka Sargento Mad Dog) é produtor de televisão e sabe tudo de HQ. Se ele fosse um dos Watchmen, seria o Rorschach.
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